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Leitura 1/2022
A pediatra [2021]
Andrea del Fuego (🇧🇷, 1975-)
Companhia das Letras, 2021, 160p
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“A vantagem da medicina é poder ser quem quiser, santa, desonesta, anarquista, patriota, bipolar, batista ou ateia, penso e sinto o que eu quiser com estetoscópio no pescoço, quem trata não sou eu, é o protocolo, apenas seguir o roteiro da observação clínica, os casos são mais ou menos os mesmos” (pág. 92/iBooks).
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Enquanto estou eventualmente envolvido entre as páginas do longo “As aventuras do bom soldado Svejk” e a doce e nada produtiva preguiça do recesso acadêmico, só agora termino a primeira leitura do ano: “A pediatra”, um romance psicológico excepcional, muito bom mesmo, de autoria da escritora paulistana Andrea del Fuego, lançado ano passado.
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Como o próprio título, narra em intenso suspense a saga da Drª Cecília Tomé Vilela, uma pediatra que, inadvertidamente, odeia crianças e, por tabela, suas mães. Sim, é uma personagem complexa, digna de uma boa novela das oito, que chama mesmo a atenção pela coleção particular de preconceitos, narrados em primeira pessoa que tanto assustam quanto captam a atenção do leitor.
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Devota da “neonatologia” – cuidados especializados ao recém-nascido, torce o nariz para o parto humanizado, criando um dualismo opiniático sobre essas duas técnicas que são bem interessantes no romance. Mantém um caso com Celso, o marido de uma de suas ex-pacientes e é nesse cenário que Cecília vê seu castelo conceitual ruir ao se apegar a uma criança, no caso, Bruninho, filho de seu amante. É quando o romance fica mais visceral, mais intenso, onde a pediatra mesquinha e extremamente seca é tomada por uma obsessão que beira a psicopatia ao nutrir afeição pelo menino. Ela começa a enxergar na criança o filho que não teve e que, por motivos médicos, a torna titular da posição de mãe do rebento. Não sabemos se a pediatra “má” se tornou boa ou se somente uma nova faceta dos problemas emocionais que guiam Cecília afloraram, deixando-a ainda mais instável e irrequieta, condição que se exarceba ao final do romance, aberto de certa forma ao achismo do leitor, mas que coroa o livro com os presságios presentes nas paginas e que vão ganhando corpo à medida que o leitor vai sendo arrastado pelo caos da vida de Cecília.
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Mais não digo. O livro, para quem queira, pode ser lido de um único fôlego, tamanha a curiosidade que vai crescendo com os desmandos da pediatra. Mesmo para estes, vale experimentar essas páginas por si só e ver com os próprios olhos como uma escritora, ainda que jovem, pode enriquecer sobremaneira a prosa brasileira com um romance elétrico e acima da média. Palmas para ti, Andrea, de pé!