Pablo folheia o seu exemplar puído de Os Maias, de Eça de Queiroz.
O livro, caro para ele e relido à exaustão, é como um retrato sublimemente pintado da desilusão. A trágica história da família lusitana que dá título ao livro ainda o comove, ainda o embevece, ainda traz a certeza de como se deve enxergar as desilusões vividas e construídas.
Os dois amigos, Carlos da Maia e João da Ega, os personagens que fecham o romance, o fazem da forma mais lúgubre e poética possível: uma análise fria das suas vidas traz aos dois a triste constatação de que suas existências foram banais e desnecessárias.
Então Pablo pensa no soberbo quadro de Hopper — o grande pintor da solidão americana –- único ornamento da suas paredes insípidas, Nighthwalks. Podem passar mil anos sem que ele jamais consiga decifrar o tudo e nada ali contidos, mas uma coisa ficou-lhe latente no espírito revivido a cada novo olhar: a desilusão, de certa forma, é o combustível para as grandes e belas manifestações da arte.
Foi assim com Carlos e Ega. Dois grandes amigos; duas grandes ambições, a de Carlos tornar-se um importante médico e a de Ega, ver publicado e aclamado pela elite lisboeta seu livro Memórias do Átomo, que, contudo, jamais saiu da intenção.
Suas grandes ambições foram esmagadas pelos canhestros caminhos que a cada um deles a vida legou. As duas grandes promessas de Lisboa, renegados ao esquecimento, à mediocridade, à certeza de derrota, revelados nas páginas finais do grande romance de Eça.
Anos se passaram desde os profícuos dias em que Carlos e Ega viveram o “auge” de suas vidas, duas figuras então socialmente necessárias e indispensáveis nos círculos e clubes lisboetas. Mas ao invés das badaladas noites, dos serões, das bebedeiras e charutos, aos dois restou uma caminhada rumo a lugar algum que não sejam seus próprios sonhos perdidos. É neste episódio – que marcou tanto a Pablo – que são fiadas as desilusões de ambos, que uma espessa aura de dor é estendida diante das ruas que os dois amigos trilham e onde a síntese de suas derrotas é taxada: “Falhamos a vida, menino”, diz Ega.
Pablo sabe que também falhou. A promessa de viver um grande amor, de realizar suas ambições, de escrever o grande livro da sua vida, de compor as canções que nunca conseguiu, tudo se perdeu, foram esquecidas e renegadas, como na tela nostálgica de Hopper.
Pablo construiu uma profícua coleção de sonhos perdidos. O que o difere de Carlos e Ega é a impossibilidade de ter um grande amigo com quem dividir a dor da desilusão total.
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