
Leituras de 2022
Flores da ruína [1991]
Orig. Fleurs de ruine
Patrick Modiano (🇫🇷, 1945-)
Record, 2015, 144p
Trad. Maria de Fátima Oliva do Coutto
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“No instante em que chegamos à Rive droite, após ter atravessado a pont du Carrousel e os arcos do Louvre, dou um suspiro de alívio. Nada mais tenho a temer. Deixamos para trás a zona perigosa. Sei bem que se trata apenas de uma trégua. Um dia terei de prestar contas. Experimento um sentimento de culpa cujo motivo permanece vago: um crime do qual participei na qualidade de cúmplice ou de testemunha, não saberia dizer com exatidão” (Posição Kindle 810).
“Flores da ruína” é o segundo volume da chamada Trilogia Essencial, do escritor francês Patrick Modiano, prêmio Nobel de 2014. É o terceiro livro dele que leio (os outros foram o muito bom “Para você não se perder no bairro” e o bom “Remissão da pena”, justamente o primeiro da trilogia), mas a mesma temática segue o estilo do autor, acostumado a lidar em seus romances com memórias antigas, reconstruídas graças ao referencial geográfico da cidade de Paris, onde os livros são ambientados.
Neste volume, Modiano busca reconstruir um evento trágico no distante ano de 1933, quando ocorreu o duplo suicídio de um jovem casal na periferia parisiense. É uma tarefa hercúlea, tendo em vista terem passado cerca de 30 anos do acontecido, halo temporal suficientemente grande até mesmo para a memória, essa pregadora de peças.
Narrado em primeira pessoa, Modiano utiliza a técnica da pergunta para ir reconstruindo aquele evento onde o autor entremeia as próprias memórias, que se misturam àquela em particular, sendo muitas delas ligadas a andanças aleatórias pelos “arrondissement” da Paris dos anos 30, levando o leitor a círculos e mais círculos (uma alusão à forma de caracol de Paris?) cujas camadas vão rejuvenescendo a tinta da memória.
Modiano demonstra sua habilidade narrativa com o conhecimento de fato da cidade. Você como que se vê errando por Paris, flanando pelas margens do Sena, pelos boulevards, pelas places, absorvendo a atmosfera local. E nessas andanças, ele busca exorcizar os fantasmas que inevitavelmente levam-no a recobrar a culpa por, de alguma forma, ter sido cúmplice daquele crime do qual jamais se esqueceu, fazendo uma espécie de registro memorialístico misturado com romance policial.
Olhando os comentários no Skoob sobre este livro, me chamou a atenção pela quantidade de leitores frustrados com a leitura de “Flores da ruína”. Bem, não os culpo. De fato, a escrita de Modiano pode não ser uma boa para os leitores que preferem estórias mais dinâmicas, com mais cores e entreveros. Isso porque, à semelhança de um John Banville ou um Julian Barnes, Patrick Modiano tem uma escrita lúgubre, monotemática, saudosista, características que não agradam a todos. Eu não posso dizer que seus livros sejam maravilhosos e marcantes, mas há neles um quê de beleza suficientemente grande para instigar a caminhada por Paris e as muitas memórias encravadas por suas ruas. Vale!
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