
Leitura 18/2021
Comum de dois [2014]
Noemi Jaffe (BRA, 1962-)
e-Galáxia, 2014, 78p
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“(…) é meio inevitável que, com o tempo, sejam justamente essas as coisas que vão afastando uma pessoa da outra e, ao mesmo tempo, prendendo uma na outra.
— mas afastando por quê? não tô entendendo…
— ah, porque as pessoas vão ficando mais ligadas nas coisas do que no parceiro. mais ligadas em manter as coisas, entende? e isso vai dando raiva do companheiro ou companheira, sei lá, porque parece que é a pessoa que nos prende a essas coisas. é tipo uma prisão que a gente constrói pra gente mesmo. não é um paradoxo?
— nossa, amor, que horrível isso que cê tá falando. é de um pessimismo atroz. uma visão muito fechada e maniqueísta do amor. não precisa ser nem exclusivamente assim.
— então, como? qual é a saída? não ter família nem casa nem dinheiro?
— não, claro que não, amor. isso ainda é maniqueísta. a saída é, todos os dias, tentar não cair nessa emboscada que o mundo arma pra gente.
— mas não dá. cê vai caindo, mesmo sem querer.
— mas isso não é culpa do amor, entende? é culpa da forma como a gente conduz nossa vida e acaba chamando isso de amor, mas não é!
— então o que que é o amor? não acaba sempre virando isso? um relacionamento fraterno adaptado às necessidades?”
Os 60 mini textos que compõem “Comum de dois”, da escritora brasileira Noemi Jaffe, são um primor da fina ironia. Eles buscam captar em ágeis instantes partículas de diálogos entre um casal (não sabemos quem está falando, somente é possível intuir), onde são abordados temas não só casuísticos como questões profundamente existenciais, principalmente no que se refere à reafirmação do amor e o comprometimento com a relação.
Até então eu nada sabia da autora, mas na habitual busca por algo para ler na cama, antes de dormir, me deparei com o ebookezinho na biblioteca do kindle e me pus a ler os textos ágeis que vocês passa rapidamente de uma sentada, ou deitado, como foi meu caso.
Em muitas passagens, o leitor certamente se identificará, enxergando muitos dos dilemas que os casais enfrentam e que são tema de reiteradas conversas. Logo, a relevância do livro está em a autora conseguir falar muito em tão poucas e breves passagens, mostrando que a arte de viver e conviver é um exercício diário de paciência, compreensão e, sobretudo, de riso. Sim, rir, pelo que se pode absorver de “Comum de dois”, é, ainda, um ótimo remédio! Vale!
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