
Leitura 06/2021
A criança no tempo [1987]
Orig. The child in time
Ian McEwan (Ing, 1948-)
Companhia das Letras, 2018, 288p
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“Kate tinha se transformado na própria essência do tempo. Seu crescimento espectral, o produto de uma tristeza obsessiva, era não apenas inevitável — nada era capaz de fazer parar o relógio fibroso — mas necessário. Sem a fantasia de sua continuada existência, ele estava perdido, o tempo pararia. Era pai de uma criança invisível” (Posição Kindle 41).
“E foi então, com três anos de atraso, que por fim começaram a chorar juntos pela criança perdida, insubstituível, que eles não veriam crescer, cujo olhar e movimentos característicos jamais poderiam ser dissipados pelo tempo” (Posição Kindle 3639).
Apesar de ter lido anteriormente vários romances do escritor britânico Ian Mcewan, dentre eles Jardim de Cimento, Enclausurado, Reparação, Na Praia e Amor sem Fim, eu nada sabia desse livro “A criança no tempo” (me assustei em saber que é um romance dos final dos anos 80, pois julgava ser um dos últimos lançamentos do autor!) e muito menos de que há um filme baseado no livro (que assistirei em breve!).
O livro fala da dor da perda. Um pai que, num dia singelo de ida ao supermercado junto com a filha, num lapso percebe que ela não está mais ao seu lado. Stephen, o pai, desesperado, vasculha todos os cantos do estabelecimento, logo sendo ajudado por funcionários e outros clientes que ali estão, em busca da pequena Kate. O desespero dele aumenta à medida que as horas se passam, quando ele terá de voltar para casa e terá de contar para a esposa do desaparecimento da filha…
Mcewan, em sua usual maneira de explorar os limites do suspense, do drama, constrói um delicado livro sobre a tragédia e como as feridas deixadas levam as pessoas ao fundo do poço. Ali, onde se juntam demônios e uma fímbria de luz, o sentido de existir toma nova ressignificação, quando se apresenta a possibilidade de se manter imerso pela dor, pelo desencanto e pela desesperança ou aguardar que a própria vida apresente novas flores pelo caminho destroçado.
O livro também zapeia por outros temas, como o de um controverso comitê que estuda a melhor forma de educar e proteger as crianças, mostrando que, apesar de um livro escrito há mais de 30 anos, sua temática é sombriamente atual.
O que mais me atrai aos romances de Mcewan é a sensibilidade, a honestidade, o senso magistral e poético que ele tem de tornar tantas coisas humanas em palavras, como se absorvendo para o papel, para a frase escrita, o caldeirão pululante de emoções vívidas. A trágica história em “A criança no tempo” é a história da esperança, ainda que no finzinho do túnel e de como o tempo, impiedoso e intransigente como um cossaco russo, pode pregar boas peças na vida da gente.
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