
Éramos inseparáveis na escola, Leandro e eu. Apesar de sua chegada repentina, numa manhã em que já ia avançado o ano letivo, nos demos bem de cara quando ele se instalara na carteira ao lado da minha. Uma amizade que nasceu e que, apesar daquele único ano, ainda carrego comigo mesmo passados tantos anos.
Um detalhe particular o distinguia dos demais garotos do colégio: Leandro era o único aluno da minha escola que tinha bigode, aquela robusta e prematura composição de pelos acima do lábio superior que de certa forma era motivo de inveja, minha e dos demais moleques.
Também nas meninas o Leandro angariara especial atenção: muitas foram as vezes em que, após as aulas, tive de esperar meu amigo trocar beijos com alguma moça na pracinha perto do colégio. Foi a primeira vez em que “segurei vela” para alguém. Enquanto Leandro se dava bem, eu seguia, esgueirando o canto dos olhos ao banco onde meu amigo experienciava as alegrias de namorar alguém. Enquanto, naquela época, eu seguia devaneando o beijo que daria na então musa dos meus sonhos ao som de “Al dilá”, a bela canção de Emílio Pericolli e que recordo, não me cansava de ouvir, o meu amigo já era versado na arte de namorar. Paciência.
Ambos, como era natural das grandes amizades, tínhamos os nossos pactos. Leandro, por aparentar ser mais velho e mais alto que eu, de certa forma me protegia da importunação dos garotos maiores. Eu, um aspirante a nerd, ajudava meu amigo nos seus tropeços em aritmética e na sua falta de tato com o português. Quase sempre dividíamos o mirrado lanche que um ou outro comprava no recreio, quando nos era dado por nossos pais alguns cobres. Como morávamos na mesma rua, nossas casas adelgaçadas pela distância de uns três quarteirões, era minha a incumbência de passar na sua casa a fim de irmos juntos ao colégio. Coisa de amigos.
E logo ele soube da menina que era alvo de meu coração. Por acaso, havia notado ela, procurando saber de mim, em sussurros para não chamar a atenção da professora, o nome e a possibilidade de conhecer Ivone, a ruiva de cabelos caudalosos e cheirosos, para quem havia escrito versos e com quem muitas vezes sonhara sonhos românticos onde sempre me declarava a ela. Leandro, ao saber de meus intentos (isso mesmo, intentos), de como eu vinha planejando uma oportunidade de poder falar do que por ela sentia, fiel ao sentimento do amigo, manteve a distância dela. Partiu para conquistar Simone, a melhor amiga de Ivone. Você pode bem intuir quem de nós dois, afinal, teve êxito…
Mas então o tempo passou. Vários capítulos de minha vida depois, eu vejo como a fortuna nos levou por caminhos distintos. Eu, rumo a este ofício de escritor barato; ele, uma incógnita para mim, que perdi totalmente seu contato e seu paradeiro com meu degredo a uma terra distante onde, enfim, plantei raiz.
Então só me resta me fiar da lembrança daqueles bons tempos, tempos mais vagarosos, onde as minhas únicas preocupações eram a escola e o indomável desejo de conquistar Ivone. Eu, como um Florentino Ariza canhestro, à moda do personagem pitoresco de “O amor nos tempos do cólega”, vivi os suspiros do amor não correspondido, quando vislumbrava a certa distância o ideário deste meu coração calejado cada vez mais de mim se afastar rumo aos braços de outro…
Diferente do solitário personagem de Garcia Márquez, que após 51 anos de espera pelo amor de sua amada Fermina, ainda se mantinha firme e fiel à única dona de seu coração, ao menos eu pude ter um amigo que, nas muitas horas de vazio, me fez ver o fio de esperança, lá para a frente, ainda que quase sempre tenha meu olhar voltado lá para trás, onde permanece intacto um eu bem mais feliz.
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