
Leitura 42/2020 [Lista #1001livros]
Nove noites [2002]
Bernardo Carvalho (BRA, 1960-)
Companhia das Letraa, 2006, 150 p.
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“O certo é que, ao deixar a aldeia pela última vez, ele estava fugindo. E isso eu já lhe disse, mas repito, porque quero que guarde bem. Quando muito, haverá um lugar para uma única causa e uma única imagem na sua cabeça. Terá que aprender a se lembrar dele como um homem fora do seu campo de visão, se é que pretende vê-lo como eu o vi. Também demorei a entender o que ele queria dizer com aquilo, o que havia de mais terrível nas suas palavras: que, ao contrário dos outros, vivia fora de si. Via-se como um estrangeiro e, ao viajar, procurava apenas voltar para dentro de si, de onde não estaria mais condenado a se ver. Sua fuga foi resultado do seu fracasso. De certo modo, ele se matou para sumir do seu campo de visão, para deixar de se ver” (pág. 100).
Até ler este livro, eu nada sabia sobre Buell Quain, um etnólogo americano que se suicidou aos 27 anos no meio da Floresta Amazônica, quando cruzava a mata onde passara semanas isolado no seio da tribo indígena Krahô.
O livro mistura reportagem de fatos com elementos de prosa a fim de preencher as lacunas, vastas e até hoje não explicadas, do porquê Quain se matara. Carvalho constrói em sua narrativa uma espécie de prestação de contas pela história trágica do jovem etnólogo que o levou à busca obsessiva por respostas desde que ouvira falar de Quain e sua saga até a obscuridade. Os capítulos são narrados ora pelo próprio autor, ora por um narrador onisciente, duas vozes que vão misturando as camadas de ficção e realidade, vindo a compor um dos livros mais interessantes que li até então. Também, inevitavelmente, leva o leitor a se voltar para a cultura dos povos indígenas, a cujos matizes somos quase que ignorantes, mas que sempre foram objeto de estudos antropológicos, como o que Quain fez. Bravo, lista!
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