
Leitura 36/2020
Berta Isla [2017]
Orig. Berta Isla
Javier Marías (ESP, 1951-)
Companhia das Letras, 2020, 552 p.
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“A história é cheia de mulheres que ficam e esperam, que olham para o horizonte todos os dias ao entardecer tentando divisar uma figura familiar e que justamente se dizem isto: ‘Hoje não, hoje também não, mas quem sabe amanhã sim, amanhã quem sabe’” (Posição Kindle 4547).
Berta Isla, terceiro livro que leio deste autor maravilhoso que é Javier Marías, é um primor da literatura, um livro que mistura espionagem ao já tradicional talento do escritor espanhol (é para mim o atual maior escritor vivo com o trágico desaparecimento de Philip Roth), para dissecar os relacionamentos. Conta a história de amor canhestra e disfuncional entre Berta Isla, uma jovem professora de literatura, que se apaixona por Tomás Nevinson, um jovem estudante de Oxford, meio espanhol, meio inglês, a cujas habilidades notáveis para aprender línguas e imitações impecáveis de sotaques o fizeram ser recrutado para o serviço secreto britânico.
Uma vez casados, Berta tem de lidar com os segredos do marido, com essa eterna aura de mistério e desfaçatez, suas ausências cada vez mais espaçadas, a cujo hiato cada vez mais espaçado entre os dois se consolida de vez com o súbito desaparecimento de Tomás.
Marías leva o leitor para o turbulento interior dos pensamentos de Berta, choramos com ela, nos angustiamos pela longa e infecunda espera, como que junto a ela espreitamos pela fímbria da janela a esquina vazia nunca preenchida pelo retorno de seu marido. Os anos passam e Berta é envolvida por essa atmosfera esfumada – palavra que permeia todo o romance, onde nada lhe é dito, mas tudo é cogitado, levando esta personagem fascinante aos píncaros do desespero.
Marías, brilhante como sempre, mescla referências literárias (Shakespeare, Beckett, Eliot e Balzac), históricas (a Guerra das Malvinas e a revolução na Irlanda do Norte) com essa habilidade incomum de assombrar com palavras poderosas com alto teor filosófico para falar do sentimento de perda, de abandono, de desesperança, de reviravoltas, de traições, de reconciliações, de fuga, de reencontro e, por fim, de renovada esperança, esse ciclo tão presente à vida que conhecemos. É um bálsamo, um enorme alento ante tanta aridez plástica, impessoal, trôpega, presente em livros dispensáveis com os quais sempre topamos e que jamais deveríamos perder tempo.
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