
Pablo isolado. Não por ordem ou recomendação, como tem sido ultimamente. A casa vazia é uma realidade tão conhecida por ele: sombras que se derramam sobre as pilhas disformes de livros, duas ou três garrafas de vinho quase vazias, o violão mudo encostado na parede ao lado das tentativas bestiais de produzir a música que nunca se cala em sua mente. O silêncio quase nunca quebrado.
É esta a vida que tem levado desde que decidiu se tornar um fantasma. Isolado dos poucos amigos que ainda tentam lhe falar, movidos por algum sentimento de solidariedade pelo amigo estranho e excêntrico. Isolado da família que há tempos renunciara e de quem perdeu o contato. Isolado dos sonhos que se tornaram eternos por jamais se tornarem reais, o que não deixa de ser algo poético e necessário para seu canhestro senso de arte.
Ele olha pela janela. O vidro fosco de tanta poeira denuncia a rua vazia e monótona. A leve brisa que faz as folhas dos flamboyants dançarem é a única evidência de vida. Pablo sacode a xícara já quase vazia a cujo fundo circula uma fina camada de um café frio e escuro. Ele não sabe o que fazer.
São crescentes os ecos do vazio. Já não se contenta com os livros que vem lendo, já se cansou de ouvir as playlist montadas e comprimidas no celular, já não vem se emocionando com os filmes que sempre o deixaram arrasado e renovado e nem mesmo o vinho barato tem o esperado sabor de embriaguez necessária. A ruína das ruínas, o sombrio palimpsesto onde jaz o destino fatal do qual não sabe se livrar.
Pablo abre o álbum de recortes, busca com mãos trêmulas a seção onde estão gravuras de Hopper, o grande pintor da solidão americana. Quer contemplar uma pintura em especial. Se chama “Excursion into Philosophy”, pintado em 1959. Mostra um homem sentado na cama. A seu lado um livro recentemente abandonado, posto ao lado da mulher adormecida e esquecida. A atenção do homem está inteiramente voltada para o halo de luz à sua frente, levando-o a uma espécie de transe contemplativo.
Pablo sabe que aquele homem está lutando para colocar a filosofia iluminadora em prática, mas o quadro o leva a outro mote interpretativo. Sobre justamente as coisas amadas que, de uma hora para outra perdem seu condão de preencher a vida. Sobre ser locupletado pelo amor, pela arte, pela vida. Mas, de alguma forma, o sentido de tudo se perde, numa decadência silenciosa e solitária. Não mais cores, não mais luzes, não mais razão. Barreiras se erguem com a ausência presente, fossos abertos pelo intrigante calar-se. Até que chega o isolamento, essa hermética armadilha a cujas cadeias Pablo se tornara um fantasma.
Deixe um comentário