Título lido: Dia de finados
Título original: Allerzielen
Autor: Cees Noteboom (Holanda)
Tradução: José Marcos Macedo
Editora: Companhia das Letras
Lançamento: 1998
Esta edição: 2001
Páginas: 345
Classificação: 5/5
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“Mortos não se corrompem, permanecem sempre com a mesma idade. O que se corrompe é a possibilidade de pensar neles como se pensa em alguém vivo” (pág 32).
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O escritor holandês Cees Noteboom, ao lado de Javier Marías, formam a dupla dos melhores achados deste ano, autores de uma prosa catastrófica de tão perfeita, verdadeiros baluartes da boa literatura. O livro que acabo de ler, “Dia de finados”, é prova de que a literatura não decepciona, mesmo em tempos tenebrosos.
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O enredo traz a saga solitária e introspectiva de Arthur Daane, um camera-man free-lancer que passa boa parte de seus dias à cata de fragmentos humanos pelas geladas ruas de Berlim. Tem predileção por filmar pegadas na neve, a bruma gelada que se liquefaz, os fantasmagóricos galhos desfolhados das árvores contíguas das ruas. Busca perpetuar nessas capturas elementos fugidios, de rápida transitoriedade e de lúgubre beleza. À medida que se avança nas páginas de uma leitura densa, hermética, como se o autor quisesse construir um ambiente sem fluidez, repleto de fantasmas que aos poucos vão tomando forma, o leitor se depara com o real motivo do drama de Daane. Um acidente de avião ceifara a vida da esposa e do filho, daí entendemos que essa busca pelo etéreo é, na verdade, o seu mudo clamor, um homem dilacerado pela vida tornado cético diante dela.
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Apesar da solidão intransigente, Arthur faz parte de amigos heterogêneos, intelectuais de vários campos, onde travam longos diálogos que vagueiam pela arte, o esoterismo e a história, principalmente a voltada para a recente queda do Muro. Aqui Noteboom dá show em matéria de construção de diálogos, do pensar do personagem – nada daqueles improváveis e artificiais falas e digressões que sempre encontro nos livros de Hemingway – quando o autor preenche essas falas com elementos acadêmicos e bastante interessantes sobre a Espanha e seus soberanos medievais, ou as impressões nada convencionais sobre a vida fora da terra.
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Mas apesar de ser um livro sobre perda e morte, aprendemos que até as mais agudas crises têm seu fim. Ou, pelo menos são substituídas por obsessões novas. Nesse ponto, a vida de Arthur toma um sentido novo ao conhecer uma misteriosa e silenciosa mulher, Elija Oranje, estudante das cousas da história espanhola. Tudo nas suas ações clamam a circunspecção, suas idas e vindas ao apartamento de Daane, seus gostos e anseios aos quais Daane se esbarra. Ele não sabe bem se há uma relação entre os dois, dessas com começo, meio e até que venha o fim. Nada nela lhe traz certeza ou segurança, mas ele sabe que precisa buscar as respostas e é isso que faz, o que acaba dando um sentido novo para ele.
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Dia de finados é um romance honesto, muito bom mesmo. Eu cá comigo, à medida que avançava, pensava em como a literatura holandesa é tão pouco propagada, o que é uma pena, pois certamente há ótimos escritores na Escandinávia, a exemplo de Arnon Grunberg, autor do excelente “Tirza”, e o próprio Noteboom, escritor sofisticado que acaba de ganhar cadeira cativa no meu criado-mudo.
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