Título lido: Coração tão branco
Título original: Corazón tan blanco
Autor: Javier Marías (ESP)
Tradução: Eduardo Brandão
Editora: Companhia das Letras
Lançamento: 1992
Esta edição: 1995 (editado pela M. Fontes Ed.)
Páginas: 272
Classificação: 4.5/5
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“e é verdade que somente o que não se diz nem se exprime é o que nunca traduzimos” (pág no Kobo 33).
é interessante a forma como cada escritor compõe sua obra, a maneira como o autor usa da palavra para, sob a forma de frases, construir um livro. philip roth, de quem li 23 romances em sequência e na ordem de publicação, tem uma prosa explosiva, calcada numa espécie de sequência de sinapses temporais que vão sendo depositadas num fundo branco onde o leitor vai sendo conduzido pelas descrições e digressões dos seus personagens.
em javier marías sempre me pego pensando que seu estilo se assemelha mais a círculos concêntricos justapostos em camadas que vão, à medida da leitura, formando a ideia geral do livro (sim, marías jamais entrega de chofre o ouro ao leitor; antes, é necessário um exercício de atenção para não perder detalhes preciosos do romance, cruciais para seu entendimento pleno).
em “coração tão branco”, o segundo livro dele que leio, esse esquema é surpreendente: começa durante um jantar quando uma moça pede licença, vai ao banheiro e lá acaba se dando um tiro fatal. a partir de então, vamos sendo guiados pelos pensamentos de juan, um tradutor escalado por organizações governamentais para assessorar figurões monoglotas, que, além de apresentar o âmbito do seu trabalho, vai destrinchando os fatos da vida amorosa cotidiana e fazendo profundas análises que vai comparando a seu próprio casamento com a também tradutora luisa.
mas o mote do livro, muito além de acontecimentos fortuitos na vida de juan ou dos lugares-comuns que tornam a literatura às vezes cansativa e repetitiva, (e nisso marías é exímio, essa capacidade excitantemente incrível de gerar tantos labirintos de pensamentos e ideias, um deleite em forma de prosa!) é a maneira como cada pessoa guarda e reage diante dos segredos, das confidências. marías levanta a questão de quão necessário é não contar algo que, mesmo passado, carrega em si informações explosivas, capazes de causar estrago no interlocutor ou de quem se trata tal confidência. juan, recém casado e em lua de mel em havana, acaba se recordando de uma frase dita por seu pai logo após a cerimônia que o intriga. e então, passa todo o percurso do livro juntando migalhas de informações a fim de passar a limpo tantas histórias que envolvem ranz, seu velho pai especialista em obras de arte e três vezes viúvo.
como disse acima, o assombro que marías causa em seus livros é trazido pela forma como ele mascara os pontos chaves da trama. como garimpeiro, o leitor tem de ir vasculhando o texto e assinalando aquelas que podem incorporar muito do que ele diz através de meros e aparentemente simples detalhes ou mesmo em histórias paralelas como a da amiga de juan, berta, que vive à procura do homem ideal, ou mesmo do filtro que ele tem de se auto impor em sua profissão. o que diz em cada parágrafo é filosoficamente profundo, bem escrito, emotivamente carregado, cada frase digna de ser excertada e posta num quadro. essa “caça” ao tesouro escondido causa frisson, pois de certa forma marías convida o leitor a juntamente com o personagem narrador a compreender os dilemas dos relacionamentos modernos (foi assim com o narrador principal de “o homem sentimental”, que li e resenhei aqui).
não ler marías pode tornar a vida insuportável! vale!
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