Título lido: A queda
Título original: La chute
Autor: Albert Camus (Nobel de 1957)
Tradução: Valerie Rumjanek
Editora: BestBolso
Lançamento: 1956
Esta edição: 2015
Páginas: 112
Classificaçao: 4.5/5
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“não sabia que a liberdade não é uma recompensa, nem uma condecoração que se comemora com champanhe. tampouco, aliás, um presente, uma caixa de chocolates de dar água na boca. oh, não, é um encargo, pelo contrário, é uma corrida de fundo, bem solitária, bem extenuante. nada de champanhe, nada de amigos que ergam sua taça, olhando-nos com ternura. sozinhos numa sala sombria, sozinhos no banco dos réus, perante os juízes, e sozinhos para decidir perante nós mesmos ou perante o julgamento dos outros. no final de toda liberdade, há uma sentença; eis por que a liberdade é pesada demais, sobretudo quando se sofre de febre, ou nos sentimos mal, ou amamos ninguém” (Posição no Kindle 1130/84%).
ler camus é muito mais que ler um romance. sua escrita poderosa sempre tem um quê filosófico, uma angustiante busca pelas mazelas humanas e isso é um deleite sem igual.
em a queda”, vemos o advogado jean baptiste clement, auto-proclamado “juiz-penitente”, que esmiúça justamente essa decadência humana. ao entrar num bar em Amsterdã, o méxico City, e diante de um estranho, nosso personagem narrador começa a abrir sua vida, e mais que isso, traz à tona toda uma decadência moral e existencial que, discrepante de tudo que achou que era e fazia, mostra o homem em sua mais profunda ruína.
nesse “diálogo”, o narrador vai dizendo quem é e do que gosta sem dar a chance do outro adivinhar. assim vamos desencapando o personagem. sabemos que é um homem de meia idade, frequentador dos bares do porto, que já foi bem sucedido, mas que por algum motivo (que vamos descobrindo) abandonou a vida anterior. mora no bairro judeu na pós- guerra, depois de hitler quase arrasar com tudo. conta tudo sobre o seu passado, sua vida plena e feliz. adorava ajudar os demais, sentia- se bem com isso, recompensado; era equilibrado, boa saúde, bom corpo, belo, honesto, bem conceituado, era respeitado. fazia tudo o que esperavam dele. um típico cidadão modelo. se considerava um sujeito de sorte, no entanto, queria sempre mais e mais. “cada alegria fazia-me desejar outra”, revela.
mas então algo acontece em uma noite de outono perto do sena, em paris, e tudo mudou. esse dia ficou marcado: o início da sua queda. o homem cheio de virtudes ajudava os demais por vaidade. ele conseguia enganar a sociedade, os amigos e clientes, no entanto, o auto-engano é impossível de ser encoberto. roído por tamanha descoberta, se sente infame, chega mesmo a pensar em suicídio, trata sobre absolvição, lascívia e liberdade. a conversa sai dos limites do bar, chegam a seu apartamento de onde, no dia seguinte, partem para um golfo próximo. a conversa continua (desconfio que na verdade não havia ninguém ali, só a consciência marcante de jean baptiste) e o leitor vai sendo levado pelas lamúrias de um homem derrotado pela falsidade que há em si.
camus, de quem li “o estrangeiro” e, nos arrogantes anos da adolescência, “a peste”, tem essa capacidade de gerar desconforto em novelas que só parecem ser singelas. ainda bem!
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