Título: A marca humana
Título original: The human stain
Autor: Philip Roth (1933-2018)
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 2000
Ano desta edição: 2013
Páginas: 454
Classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐
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“A tirania do decoro. Era difícil até mesmo para ele, em meados de 1998, acreditar na sobrevivência do conceito americano de decoro, e era ele próprio que se considerava vítima dessa tirania: o freio que ainda impõe à retórica pública, a inspiração que fornece aos santarrões, a persistência quase universal dessa exibição desvirilizante de virtudes” (pág 198).
“A verdade a nosso respeito é infinita. Tal como as mentiras. Denunciado pelos pretensiosos, escorraçado pelos santarrões – e por fim exterminado por um louco furioso. Excomungado pelos salvos, pelos eleitos, pelos eternos evangelistas dos costumes do momento, e por fim eliminado por um demônio implacável. As duas exigências humanas encontravam seu ponto de encontro nele. O puro e o impuro, com toda a sua veemência, em ação, tendo em comum a mesma necessidade do inimigo. Cortado ao meio pelos dentes hostis deste mundo. Pelo antagonismo que é o mundo” (pág 398).
À medida que avanço na obra literária de Philip Roth, é inevitável que deixe de focar na árvore e amplie a visão por toda a floresta. A densidade, riqueza e perfeição com que foram construídos seus livros tomam um novo significado à medida que cada tijolo vai sendo empilhado ao conjunto da obra.
É o caso de “A marca humana”, de 2000, na verdade o primeiro Roth que li, isso há uns anos atrás e, naturalmente não fazia ideia de sua significação.
Sendo parte da assim chamada “Trilogia Americana”, composta ainda por Pastoral americana e Casei com um comunista, “A marca humana” forma o denso e intricado retrato de uma sociedade questionável em suas crenças, valores e ética. Como os demais volumes da trilogia, é narrado por um Nathan Zuckerman já quase sexagenário, desta vez centrando-se nos acontecimentos em torno da vida do professor de literatura clássica Coleman Silk, que é obrigado a abandonar a sua cátedra em uma universidade ao ser acusado de racismo contra alunos negros que estão na turma em que dá aula e por supostamente se aproveitar de sua posição como decano para se aproveitar de uma funcionária da faxina da instituição. Ambos os escândalos são suficientes para trazer repercussões negativas não só à carreira de Silk como à sua vida pessoal, levando sua esposa a morrer abruptamente em decorrência de um derrame cerebral e a causar o afastamento de seus filhos que, desgostosos com as práticas do pai. A partir daí, Coleman decide se vingar da faculdade à qual fora decano e cujo corpo de professores a maioria lhe devia o fato de ter sido o próprio Silk que integrara quando decano, decidindo escrever um livro onde irá denunciar todas as injustiças sofridas por ele. Passa anos tentando escrever até decidir pedir a ajuda de um “profissional”, o que o faz procurar Zucherman.
É claro que Roth vai mais além da trágica derrocada de um ex-decano. Sendo parte da obra que melhor retrata o status quo americano, o livro trata da hipocrisia mantida pela “tirania do decoro”, na própria expressão de Roth, que tinha bem em mente a farsa de um conceito de puritanismo às avessas e que foi o que destruiu a vida de Coleman trazendo-lhe repúdio e ignomínia.
O livro, escrito e ambietado no período do escândalo sexual do então presidente Bill Clinton e Mônica Lewinski, com quem manteve um caso, retrata com algum humor e uma tensão permanente como os valores engessados e recrudescidos na intolerância pode sobreviver quando o próprio chefe máximo da Nação resvala num escândalo que mancharia sua carreira política e poria a baixo o idealismo altaneiro e clerical do americanismo. O livro ainda remete à falta de programas de ressocialização dos ex-combatentes da Guerra do Vietnã, muitos deles tão desajustados e perigosos, como é o caso de Les Farley, ex-marido da amante de Silk e que vem a ceifar a vida do casal. Roth, em “A marca humana”, mais uma vez surpreende ao tratar do preconceito racial com a decisão de Silk de esconder sua raça e origem e optar por viver como branco, e à intolerância, verdadeira chaga que além de causar a segregação, destrói totalmente um ideário, gerando estranhos no meio de iguais.
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