Título: Casei com um comunista
Título original: I married a communist
Autor: Philip Roth (1933-2018)
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 1998
Ano desta edição: 2014
Páginas: 424
Classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️
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“Sempre fico enfurecido, e espero que no dia em que eu morrer eu continue enfurecido. Arranjo confusão porque fico enfurecido. Arranjo confusão porque não fico de boca fechada. Eu fico muito enfurecido com o meu adorável país quando o senhor Truman diz ao povo, e todos acreditam nele, que o comunismo é o grande problema deste país. Não o racismo. Não as injustiças. Isso não é o problema. O problema são os comunistas. Eles vão subverter o governo de um país de cento e cinquenta milhões de pessoas. Não insultem minha inteligência. Vou lhes contar o que é que vai subverter toda essa porcaria: o modo como tratamos as pessoas de cor. O modo como tratamos os trabalhadores. Não são os comunistas que vão subverter este país. Este país vai subverter a si mesmo ao tratar as pessoas como animais!” (Pág. 149).
Depois de ter lido “Operação Shylock”, de 1993, ter voltado a “Patrimônio” (1991) e “Os fatos” (1988), e ao decidir pular a “O teatro de Sabbath” (1995) e a “Pastoral americana” (1997) por tê-los lido recentemente, concluo “Casei com um comunista”, de 1998, o volume que faltava para eu terminar a assim chamada Trilogia Americana, cujos os dois outros livros são o já citado “Pastoral…” e “A marca humana”, de 2000. Este último aliás, foi, na verdade, o primeiro livro de Philip Roth que li, no distante junho de 2016, e que lerei em seguida para manter algum padrão na minha solitária e rica caminhada pela obra de Roth.
Casei com um comunista é mais um volume onde figura Nathan Zuckerman, o escritor e alter-ego do próprio Roth. Nele, Zuckerman reproduz a longa conversa que teve com um ex-professor seu da época do secundário, Murray Ringold. Em longas seis noites, Murray faz um relato sobre a vida de seu irmão, Ira Ringold, um figurão do rádio, a cujo passado violento e marcado por feroz militância com o partido comunista, traçaram um caminho de vergonha, traição, repúdio e vingança.
No típico estilo de Roth, Zuckerman reencontra muitos anos depois o professor Murray, e ali, em camadas atemporais, ouve a história da vida do homem a quem Zuckerman considerou por muitos anos, uma de suas mais marcantes influências, sendo mesmo preterido a discípulo de Ira, que buscou doutrinar o então jovem Zuckerman na militância comunista, na luta operária e no abrir mão de uma odiosa existência aburguesada. Zuckerman, sendo apresentado a vários correligionários de Ira, fica muito impressionado com uma realidade tão distante da razoável vida que leva num bairro de Newark. Vendo a dureza com que são obrigados a viver os operários das indústrias nos arredores da cidade, Zuckerman por pouco não sucumbe às ideias de Ringold e abre mão da casa dos pais em prol da luta de classes.
Casei com um comunista, na verdade título de um pseudo livro escrito pela ex-esposa de Ira, Eve Freme, e que objetivou denunciar o marido numa época em que a perseguição aos comunistas era política de Estado levada à cabo pelo presidente Truman, é uma obra explosiva, de cunho político, um retrato da então já fragmentada sociedade americana no pós-guerra e na era do Macarthismo. As convicções de Ira Ringold tornadas públicas pelo livro traidor de Eve, mostram a fragilidade dos direitos civis, a constante existência de denúncias contra partidários do Comunismo, a atmosfera de traição e observância que pairava naqueles dias turbulentos.
É também um livro em que vemos Zuckerman abdicar de suas auto-impressões, tão presentes nos primeiros livros onde aparece, a fim de buscar em figuras de seu passado o sentido para sua existência estéril e insossa (pretendo, quem sabe um dia, escrever um ensaio analisando o Zuckerman da trilogia americana, em contraste com o Zuckerman dos outros volumes onde é o personagem central). Foi assim quando Zuckerman rememora a sua amizade com o professor Coleman Silk de “A marca humana” e Sueco Levov – de Pastoral Americana – o atleta famoso de Newark que tanta admiração causou no jovem Zuckerman. Eram figuras mais velhas, e por isso mesmo, quase inalcançáveis para o menino Zuckerman, mas que contribuíram de alguma forma para a construção da literatura do próprio Zuckerman. Vale!
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