Título: Patrimônio – Uma história real
Título original: Patrimony – A true story
Autor: Philip Roth
Tradução: Jorio Dauster
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 1991
Ano desta edição: 2012
Páginas: 192
Classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
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“Aquilo era o patrimônio. Não porque limpá-lo simbolizasse alguma outra coisa, mas porque não simbolizava nada, porque era nada mais, nada menos do que a realidade existencial nua e crua” (pag 141).
“Ele morreu três semanas depois. Durante uma provação de 12 horas, que começou pouco antes da meia-noite de 24 de outubro de 1989 e terminou logo após o meio-dia, ele lutou por cada sorvo de ar com uma erupção impressionante, uma derradeira exibição de tenacidade férrea que havia demonstrado ao longo da vida” (pag 186).
Em minhas andanças pela literatura, poucos foram os escritores – e seus livros – que me fizeram rir, me emocionaram, concluindo páginas com estupefação ou lágrimas de tristeza se formando ao findar mais um livro. A literatura tem dessas coisas: capaz de transubstanciar-se em coisa palpável, tão diferente da volatilidade das coisas efêmeras, um livro pulsante pode te transformar numa pasta emotiva, mas ao mesmo tempo, te faz enxergar o mundo com vividas cores e os assombrosos laços que tornam nossa existência suportável.
Em Roth, encontro tudo isso: seja nas gargalhadas que me fez dar ao ler a saga de Portnoy e seus desejos destemperados, seja em polêmicas existenciais como as vividas por Sueco Levov em “Pastoral Americana”, seja na humanidade transbordante de Patrimônio, a história real dos últimos dias de vida de seu pai.
Esse é o livro que mais gosto, que mais me tocou, de todos os Roth que li até então. Sua releitura, uma decisão de última hora devida ao ambicioso projeto de ler todos os livros que disponho em ordem cronológica, foi a mais feliz das decisões, quando encaro, uma vez mais, o relato tão lindo e comovente do último ano de vida de Herman Roth, o pai de Philip.
Se em “Os Fatos”, Roth traz uma curta autobiografia, um excerto de sua vida real, a infância passada em Newark, a ida para a universidade, os primeiros amores, a estreia na literatura, “Patrimônio” foi extraído da dor da perda do pai, vitimado por complicações advindas de um imenso tumor que acabaria esmagando seu cérebro. Roth vai desfiando nessa prosa magnífica, cheia de interconexões, insights e fluxo atemporal, desde a descoberta da doença de seu velho pai, até o dia em que Herman deixou de respirar. Muito mais que um “diário da dor”, creio que Patrimônio é o mais belo testamento de amor de um filho pelo pai, retratado com as vívidas tintas da emoção, da mais profunda exasperação, dessa importuna sensação de orfandade causada pelo iminente desaparecimento de uma figura tão presente e pulsante que foi seu pai.
Escrevendo essas impressões, me vem à memória outro livro de mesma temática: quantas não foram às vezes que reli “Quase memória”, outro livro caro para mim, onde Carlos Heitor Cony, um escritor a cujo estilo sempre quis imitar, pinta um verdadeiro retrato de amor ao pai falecido, com aquela poética que me cativou ainda no fim dos anos 90 com a leitura de “Os anos mais antigos do passado” e “A tarde da sua ausência”. Como podem ver, a literatura tem dessas semelhanças, dois escritores com estilos distintos, abrem mão da ficção, se expõem a mostrar o lado mais nu e cru que é a degeneração do corpo, em detrimento da alma e do espírito teimoso e vivaz que teima em abandonar seu abrigo, mas mostrar que, acima do declínio e fim da vida, restam as marcas profundas da gratidão, saudade e memória.
Engraçado. Ambos os autores escreveram as suas memórias filiais no auge do seu sucesso, quando já senhores de uma vasta e prolífica obra literária, e no entanto, tanto Cony quanto Roth morreram este ano, dois escritores que me deram tanto em matéria de livros, ajudaram a alicerçar o amor pela literatura e tudo que ela pode oferecer. Mundo, mundo triste…
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