Título: Um coração singelo
Título original: Um coeur simple
Autor: Gustave Flaubert (FRA)
Tradução: Luís de Lima
Editora: @roccodigital
Ano de lançamento: 1877
Ano desta edição: 2014
Páginas: 88
Classificação: ⭐️⭐️⭐️
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“Seus lábios sorriam. Os movimentos de seu coração afrouxaram aos poucos, cada vez mais vagos, mais suaves, como uma fonte seca, como um eco desaparece; e, ao exalar o último suspiro, ela acreditou ver, nos céus entreabertos, um papagaio gigantesco, pairando acima de sua cabeça” (Posição no Kindle 524).
Felicidade, a personagem desta novela, passa meio século servindo a mesma patroa, numa vida de abnegação e dedicação em detrimento de sua própria vida. Isso porque, numa série de perdas, se vão o noivo, a quem ama verdadeiramente, o sobrinho, morto numa cidade distante por uma doença avassaladora, a patroa, a cuja morte precoce da filha ainda jovem, vem definhando desde então, e a um velho amigo que simplesmente a esquece. Todos mortos, perdidos, esquecidos. Existências que se desligaram da pobre Felicidade, dona de um coração terno e sincero. Como é comum na sociedade em que vive, Felicidade encontra no seio da religião o consolo necessário para suportar tantos desmandos e infelicidades…
Certa feita ela ganha de presente um papagaio – Lulu era seu nome – a quem dirige toda a afeição que seu bom coração pode despender. Cuida no animal com tamanho esmero que, à morte de Lulu, Felicidade se opõe a enterrá-lo: manda empalhar a ave e a guarda num quarto onde costuma manter as quinquilharias que foi acumulando e de onde pode, vez ou outra, admirar a ave.
Tamanha afeição que a figura estática de Lulu toma, na cabeça de Felicidade, a forma do Espírito Santo, e a veneração pela ave redobra quando nossa infeliz personagem convence o padre local a permitir que a ave ganhe um lugar numa procissão. Vendo o seu objeto de veneração no lugar – que a seu desejo – lhe cabe, o estranho mistério da (des)construção da imagem pelo ser acontece, e é quando Flaubert usa da sua maestria para adornar essa pequena obra com um belíssimo “finale”, digno por si só.
Faz alguns anos li Madame Bovary, um dos primeiros clássicos que enfrentei. É um grande livro, merecidamente incluído na série A da literatura mundial. Por tabela, soube que Julian Barnes, um autor que me apetece, escreveu seu romance “O papagaio de Flaubert” baseado nessa pequena grande novela e é maravilhoso esse bate-rebate de obras literárias que se justapostam num emaranhado de desdobramentos e efeitos que qualquer leitor adora. Preciso ler o livro de Barnes. E preciso revisitar Flaubert. Vale!
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