Título: Lição de anatomia
Título original: Anatomy Lesson
Autor: Philip Roth (EUA)
Tradução: Lya Luft
Editora: L&PM
Ano de lançamento: 1983
Ano desta edição: 1984
Páginas: 210
Classificação: ⭐️⭐️⭐️
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“O que impede minha cura, isso que eu faço, ou aquilo que não faço? O que essa doença quer de mim, afinal? Ou sou eu que quero alguma coisa dela? A interrogação não tinha objeto útil, mas o único motivo da vida dele era aquela procura constante do significado ausente. Se tivesse mantido um diário da dor, a única anotação teria sido aquela palavra: EU” (Pág 169).
Lição de anatomia fecha o assim chamado trio de romances reunidos sob o título de “Zuckerman acorrentado”. É um livro sobre dor e escrever. É um livro que une a piada, o sarcasmo ao sombrio desejo de buscar sentido em existir.
Num parapelo, Zuckerman é Roth e Carnovsky é O Complexo de Portnoy. Só que Zuckerman é ainda mais excessivo e agresivo que Roth. Está com 40 anos, teve dois casamentos falhados, tem várias namoradas mas uma dor cervical, com irradiação para os ombros, impede-o de escrever. A dor crônica toma boa parte da vida de Zuckerman; até para ter relações, o escritor tem que ficar deitado no chão, com a cabeça apoiada num livro, enquanto a namorada faz todo o trabalho.
Ele já consultou todos os médicos e similares e são tantos as tentativas de tratamento que já está dependente de analgésicos opióides, álcool e marijuana – e é quando decide cursar medicina. No fundo, pensa que só assim conseguirá resolver a sua dor, mas também porque chega à conclusão que a profissão médica tem muito mais significado do que a de escritor. É um cenário de queixas e diagnóstico difícil em que o sofrimento físico, paralisante, é mais uma vez pretexto para um longo monólogo sobre a identidade, a criação, o sucesso e o fracasso, a solidão, o sexo e a literatura. Ou seja, as grandes questões que atravessam a obra de Roth, aqui apresentadas entre doses de grande ironia e amargura e com uma nostalgia assente na impressão de que talvez o melhor da vida já terá passado, irremediavelmente, e de que o que sobra poderá não passar de uma tentativa de resgatar qualquer coisa do que ficou para trás para poder continuar a existir.
A dor de Zuckerman é sustentada por uma sucessão de perdas. Depois da morte do pai, acontece a da mãe, vítima de um tumor no cérebro; seguem-se o silêncio do irmão, a falta de estímulo criativo, o medo de não conseguir repetir o sucesso, a sensação de já não pertencer a uma geografia que era muito concreta e que passou a ser vaga até se diluir. “Zuckerman ficara sem tema. Sem saúde, sem cabelo e sem tema”, lemos. Tudo parece remeter para um livro insuportavelmente amargo, mas Roth consegue transformá-lo num exercício de divertida e corrosiva auto-reflexão, feito no estilo despudorado de sempre, marca pessoal desse que se tornou um dos maiores expoentes da literatura mundial. Vale! Principalmente pela belíssima tradução da escritora Lya Luft, bem mais superior que a da Companhia das Letras.
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