Título: Coelho em crise
Título original: Rabbit redux
Autor: John Updike (EUA)
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 1971
Ano desta edição: 1992
Páginas: 360
Classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
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“Coelho constata que se abriu um espaço a seu redor. Os espectadores, seus vizinhos, em respeito a seu papel, recuaram. Meses atrás ele vira aquela ilha de luz durante uma filmagem, e agora é ele que se vê no centro desta ilha, e no entanto continua a sentir-se periférico, distante, nostálgico, entorpecido”. (Pág 282).
Poucas vezes na literatura eu encontrei personagens construídos com uma complexidade tão grande como é o caso de Harry Angstrom, protagonista de “Coelho em crise”. Talvez o mais próximo desse alto padrão literário seja o Juergen Hoffmeester do excelente “Tirza” (@radiolondreseditores) e o Sabbath de Philip Roth se equiparariam ao Coelho de Updike!
Coelho em crise é o segundo volume da assim chamada tetralogia do Coelho. Em “Coelho corre”, Harry nos é apresentado, ficamos sabendo que na juventude fora um excelente jogador de basquete na cidade de Brewer, na Pensilvânia, mas agora casado e pai de um jovem. Já fica claro ali a complexidade de Angstrom, um homem envolto numa sociedade em declínio cujas aspirações começam a entrar em colapso.
Em Coelho em crise, passados dez anos desde o livro 1 e os acontecimentos daquele livro, vemos um Harry ainda mais desestruturado. Abandonado pela esposa, com um filho adolescente que o desafia o tempo todo, vivendo com uma amante hippie, Coelho é o típico “homem comum”, envolto num turbilhão de transformações sociais e morais que sacodem o modo de vida americano dos anos 70. É nesse cenário que o leitor acompanha o esfacelamento das certezas de Angstrom, a derrocada pessoal rumo a um abismo aparentemente sem saída.
Como escritor engajado que é, Updike trata, no romance, de temas delicados e controversos, como a Guerra do Vietnan, a corrida espacial e a chegada do homem (americano) à Lua, o sexo (muito!) fora da instituição casamento, o arraigado preconceito e desconfiança contra os negros americanos. É possível sentir nessas páginas toda a força das reviravoltas trazidas pela modernidade como o advento das recém chegadas impressoras off-set, que foram causadoras do fim do emprego de muitos trabalhadores da imprensa impressa tradicional, o próprio Angstrom vítima dessa onda de desemprego. A força da prosa de Updike se evidencia ainda em conseguir de forma magistral narrar todas as impressões e pensamentos aparentemente da cabeça de Angstrom (outro ponto que me fez lembrar do excelente romance do escritor holandês Arnon Grunberg) como uma torrente caudalosa e desconexa.
Coelho em crise é uma obra prima. Updike, um dos maiores escritores americanos, foi amigo chegado de Philip Roth. Uma dura crítica publicada poria fim à amizade de mais de duas décadas entre os dois, que jamais voltariam a se falar de novo (Updike morreu em 2009). Mas é inquestionável que ambos são os baluartes dos livros que melhor retrataram a realidade americana.
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