Título: Lincoln no limbo
Título original: Lincoln in the bardo
Autor: George Saunders (EUA)
Tradução: Jorio Dauster
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 2017
Ano desta edição: 2018
Páginas: 480
Classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️
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“É ele? Não é. É o que? Isto é o que o carregava de um lado para outro. A essência (o que era carregado, o que amávamos) se foi. Embora isto fosss parte daquilo que amávamos (amávamos a aparência dele, a combinação da centelha e do portador, assim como seu jeito de caminhar, pular, rir e fazer palhaçadas), isto, isto aqui, é a parte menor daquele mecanismo tão amado. Sem a centelha, isto, isto que jaz aqui, é meramente…” (Posição Kindle 3929/Capítulo LXXIV/70%).
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Tendo como ponto central a morte de William Lincoln, em 20 de fevereiro de 1862, o romance é uma divertida (e tragicômica) travessia pelo Limbo – ou bordo, um local onde, segundo a doutrina cristã, as almas permaneceriam n “estado de indefinição” até seu destino final.
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A forma inusitada com que somos imersos na história – falas dirigidas a ninguém especificamente, iniciadas com o monólogo de Hans Vollman – e vindas das almas presas do Bardo, misturam uma espécie de realismo fantástico misturado com o absurdo e o drama vivido pelo presidente Lincoln diante da perda precoce de seu filho de 12 anos e os “fatos” ocorridos nesse lugar de meio-termo.
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Um vendaval de vozes vão construindo a narrativa, e são tantas que até confundem o leitor, mas depois vamos nos ambietando nessas falas, até se concentrarem basicamente em três principais: o próprio Vollman, Roger Bevins III e o reverendo Everly Thomas. Esse curioso trio vão situando o leitor na realidade que eles vivem, nos muitos mistérios contidos na narrativa (o que é o Bardo? O que eles fazem lá? Como chegaram lá?) e que negam: jamais se referem a si próprios como estando mortos, mas apenas “doentes”, mas de certa forma cônscios “daquele outro lugar de antes”. Assim que percebem a presença de Willie, única criança no Bardo, eles logo o “adotam”, se importam com o medo e a confusão em que Willie se encontra e traçam um plano de “salvação”, para que ele passe logo para o outro lado. Fazem isso tentando convencê-lo de que deve aceitar sua nova realidade, mas o garoto se recusa porque ainda tem esperanças de que o pai venha buscá-lo. E isso, de certa forma acontece: na primeira noite após o enterro do filho, Lincoln volta ao mausoléu, retira o caixão (ou a “caixa de doente”, como os moradores do Limbo se referem) e abraça o filho morto, certamente uma das passagens mais comoventes do romance.
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Saunders fez fama de na literatura como contista. Seu livro “10 de dezembro”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, é bastante elogiado pela crítica. Em “Lincoln no Limbo”, sua primeira narrativa longa, e primeiro livro seu que leio, foi uma experiência maravilhoso. Tudo no romance chama a atenção: a própria ambientação política (os acontecimentos do livro se deram quando do rompimento dos estados sulinos com os nortistas devido a divergências na questão escravista), a dor ds perda do filho, outro fato verídico na vida ds Abraham Lincoln, um dos mais prestigiados presidentes norte-americanos, e a questão nunca respondida do “para onde vamos quando morremos”, ou a relação conduta-recompensa, base de quase todas as religiões do mundo. Os dramas próprios dos três amigos fanfasmas, unidos a tantos outros que em algum momento têm voz no romance, até uma espécie de redenção ou castigo definitivo também vão mexer direto nos costumes e crenças de todos nós. Ou seja, tudo no livro é perfeito. Certamente uma bela e deliciosa leitura, das melhores que fiz até então!
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