Título: Tenda dos milagres
Autor: Jorge Amado (Brasil)
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 1968
Ano desta edição: 2008
Páginas: 320
Classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
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um ano sem ler jorge amado é um ano perdido. para não perder de todo meu ano de leituras decido findar 2017 com “tenda dos milagres”, essa obra soberba e fundamental no imenso conjunto literário do escritor baiano.
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o livro é protagonizado pelo bedel pedro archanjo, mulato das bandas do pelourinho, empregado da faculdade de medicina da bahia, que constrói sozinho, apesar de opiniões contrárias, a mais importante obra antropológica do século XX. totalmente autodidata, archanjo, profundo conhecedor das gentes e costumes da bahia, traz nos quatro livros seus a tese da miscigenação total, fato que lhe custou ardorosa perseguição pro parte do doutor nilo argolo, o eminente professor daquela faculdade e claramente pró arianista.
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o livro em si é a reconstrução da vida de archanjo, já após sua morte, provocada pela chegada ao brasil do prêmio nobel americano james levenson, que, ao chegar à salvador, profere à imprensa a grande importância dos livros do mulato em terras norte-americanas, o que causou furor e certo mal-estar entre a comunidade científica, alheia aos livros e pensamentos de archanjo.
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jorge amado trata, no livro, do problema da intolerância e preconceito raciais, da famigerada máxima lombrosiana de que a tendência à criminalidade está intrinsecamente ligada à cor da pele. e ao criar dois personagens ambivalentes (archanjo e argolo) amado personifica o embate entre o cientifismo arrogantemente pedante e arcaico contra o o autodidatismo nascido dentro da comunidade baiana, negra e macumbeira.
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jorge amado é mestre em criar heróis, muitos deles defensores de causas perdidas. diferente das histórias juvenis e românticas, onde o herói sempre casa com a princesa e “são felizes para sempre”, em jorge o herói é marcante por ser parecido com a gente comum e por isso fatalmente sujeito à ruína. jorge soube como ninguém retratar as gentes e costumes da bahia, toda a beleza e musicalidade (não me refiro ao ritmo axé, mas a algo mais amplo) das tradições baianas enraizadas nos ancestrais afrodescendentes, os sabores, a alegria, os desmazelados, foi um escritor cuja verve sempre me encantou. e seus heróis, homens e mulheres que antes de tudo souberam buscar o sentido de viver dentro de suas origens, proclamaram sem medo o que a bahia tem de melhor, até cientista antropólogo como foi o caso de archanjo. leitor disciplinado, o personagem vai rebatendo sem dó através de seus livros as “profetadas” sem embasamento científico de nilo argolo, branco de origem negra, mas que tenta esconder a todo custo suas origens africanas. como recompensa, morre pobre e velho num dos muitos becos do pelourinho, sem nunca ter conseguido o reconhecimento por ter produzido tão profícuo estudo de raças e matizes em seus livros, aliás, publicados a muito esforço na oficina tipográfica “tenda dos milagres, de seu amigo de toda a vida lídio corró.
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gosto de errar pelas ladeiras do pelourinho. caminhar e absorver toda a atmosfera daquele lugar como que me transporta para dentro dos livros de jorge, esse mestre da literatura, só não maior que machado de assis, criador de livros a cujos heróis me fizeram rir, chorar, emocionar, como foi o pedro bala de “capitães da areia”, o guma de “mar morto”, o quincas berro d’água, o jubiabá do livro homônimo, a perdição de todo um povoado, tocaia grande e agora pedro archanjo, mestre cujo inglório desconhecimento o levou ao cabedal de meus personagens preferidos.
Livro lido – Tenda dos milagres, de Jorge Amado
30/12/2017 por Paulo Sousa
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