Título: Ensaio sobre a cegueira
Autor: José Saramago (Portugal)
Ano de publicação: 1995
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 310
Minha classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️
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Um motorista parado num sinal vermelho de repente percebe que está cego. Seu desespero chama a atenção de outros motoristas e pedestres, um deles mesmo o ajuda a chegar em casa, mas não é exatamente um bom samaritano, apenas um ladrãozinho de carros que vê oportunidade na desgraça alheia.
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Dali em em diante, na cidade mítica criada por Saramago as pessoas começam a apresentar os sintomas da “cegueira branca”, característica comum a todos que tiveram seus olhos inutilizados por ninguém sabe porquê, causando desespero e medo por parte dos que “ainda vêem”.
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É assim que nos é apresentada a história narrada neste livro soberbo, o Ensaio sobre a cegueira. Sendo meu primeiro contato com a escrita de Saramago, não pude ter escolhido melhor começo: um livro poderoso, tanto na envergadura estilística quanto na profundidade de reflexão que sua leitura causa.
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É fácil ver-se no cenário imaginário de Ensaio sobre a cegueira, na angústia e medo por não enxergar onde os pés são postos, na forma como a dignidade humana, ou o que achamos que isso seja, vai se deteriorando, causando o esfacelamento ético e moral vivido pelos cegos aquartelados num manicômio que lhes imprime uma nefasta quarentena, este livro, creio eu, não pode ser contido numa simples e mera resenha como esta que pretensiosamente tenta decifrá-lo.
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Isso porque este romance é uma espécie de ode ao cabedal emotivo do ser humano, um duro e realístico retrato da alma humana, onde ali é mostrada a pequenez, o hediondo, o reprovável, mas também a solidariedade, o desapego, um altruísmo incomum presente principalmente na “mulher do médico”, o surreal, muitas vezes representado nas reações aparentemente humanas do “cão das lágrimas” (sempre me fez relembrar os complexos mecanismos e pensamentos da Baleia de Vidas Secas).
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Ensaio sobre a cegueira vagueia ainda pelo terreno da fé cega, do sentimento de perseverança, de pertencimento e também da perda da identidade (não há nomes, como se os personagens não passassem de “invisíveis sociais”), do ódio vingativo, até desembocar nos mais animalescos instintos. Enfim…
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Demorei a ler a minha edição com texto no português de Portugal não somente pelas palavras e expressões que não conhecia, mas principalmente pela total ausência de pontos de interrogação, o que traz ao leitor a responsabilidade adicional de dar uma carga interpretativa a perguntas que não parecem ser perguntas (li numa resenha que outro livro do Saramago, o Memorial do Convento, também tem alguma proposital ausência de caracteres como sendo um livro de um parágrafo só. Vale conferir…).
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Ensaio sobre a cegueira é daqueles livros cujos múltiplos significados merecem mais de uma leitura. Talvez, posteriormente, ainda venha acrescentar algo mais nessas singelas palavras porque, mesmo sendo um leitor disciplinado, a leitura de Saramago exigiu muito, tira-me da inércia e passividade interpretativa e sem convite me lança no meio das agruras e belezas dessas suas páginas. Não poderia ser diferente para o ganhador do Prêmio Nobel de 1998. Agora é partir para outras obras desse titã lusitano da literatura!
Eu me apaixonei por esse livro que não tive coragem de assistir ao filme
Vai por mim: fique somente no livro. Vi o filme…