Título: O caso Meursault
Título original: Meursault, contre-enquête
Autor: Kamel Daoud (Argélia)
Ano de publicação: 2013
Editora: Biblioteca Azul
Páginas: 168
Minha classificação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
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Um velho homem sentado num bar em Orã, na Argélia, começa a desfiar sua história, a trágica saga que teve início numa praia de Argel em 1942, quando seu irmão fora assassinado por um francês.
É essa a fórmula utilizada pelo escritor argelino Kamel Daoud ao nos brindar com essa proposta originalíssima que é o livro O caso Meursault.
O caso Meursault é exatamente o que o título diz: uma clara alusão ao romance do conterrâneo e também escritor Albert Camus. Em O Estrangeiro, Camus conta a história de Meursault, o simples funcionário que de repente se vê enredado por um crime que não quis cometer. Numa tarde qualquer de 1942, Meursault desfere dois tiros fatais contra um árabe de macacão azul. Com isso é encerrado na prisão até sua condenação, meses depois, quando perdeu a cabeça.
Por si só O Estrangeiro já é um grande livro, embora pequeno em páginas. A genialidade literária de Camus em construir um personagem tão simples e tão complexo como Meursault, cuja inércia ante sua crítica situação, tem muito a nos fazer pensar. A forma impassível com que lida com os problemas e emoções, a sua análise fria dos fatos, a negação veemente da negação em receber as preces eclesiásticas, faz de Meursault um personagem fascinante.
No livro de Daoud já na capa você se depara com a pretensiosa informação de que este é um livro que irá fazer par com O Estrangeiro. Pretensiosa se o livro fosse ruim, ou mesmo bastante ousado em se equiparar ao pequeno grande clássico do Nobel de 1967. Mas O caso Meursault é sublime, extraordinário, muitíssimo bem escrito e profundo na sua proposta. Talvez nada pretensioso dizer que sim, o livro pode fazer par com o romance de Camus em nada perder. Nele, o irmão de Moussa (esse, ficamos informados logo no início, o nome do árabe morto por Meursault) Haroun, viveu tantos anos indignado com as escassas informações sobre a morte que destruiu a sua vida e a da sua mãe. Como um acerto de contas, Haroun vai escrevendo ele próprio o livro em resposta à injustiça feita a Moussa, por anos tratado como um árabe — e você percebe o tom depreciativo em como Moussa é tratado. O engajamento político do romance, narrado no pós-revolução, é cru também em lidar com a reconstituição da injustiça histórica feita a Moussa. A conversa que Haroun vai tendo, com um parceiro de mesa qualquer, ele derramando as caudalosas injúrias ao livro que marca a desgraça a que ele é obrigado a conviver. Mas, ao invés de Haroun ir em busca das respostas a que por tantos anos buscou, a mim me parece que é justamente o sentido contrário a solução final encontrada por ele: escreve um livro em paralelo, como que seguindo de longe os passos do Meursault de Camus, uma sombra esguia e resoluta, na busca pelo encontro com o Moussa em cada passo que deu…
Numa linguagem dinâmica, um estilo direto, com laivos poéticos, ora embargado de um fino senso de sarcasmo e ironia, Daoud entra, sem dúvida nenhuma, no rol de melhores livros que li na vida!
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