A NOITE DE sábado igual a todos os sábados de uma vida só. A casa envolvida nas sombras da noite recém chegada, cuja tênue luz se derrama por entre as cortinas esvoaçantes. Sobre a mesa de centro da sala algumas xícaras sujas de café esquecido; livros espalhados ao alcance da mão de quem tem passado muito tempo deitado no sofá castanho a ler; a última garrafa de vinho quase seca, mostra da última noite de cão.
A casa sem adereços, sem o calor de afetos, parte de si mesmo, nefasto apêndice de sonhos jamais realizados. No seu mundo de dentro, há agonia e desespero. No externo, silêncio e vaguidão.
Então seus olhos se detêm na pequena gravura, emoldurada na única parede que parece ter vida. Ele pode olhar aquela imagem por mil vezes e nunca se fatigar. O homem com olhar perdido no bar, parece pensar o mesmo que ele; uma espécie de sintonia de dores parece uni-los, fazendo aumentar naqueles instantes de contemplação a sensação maciça da solidão. É ele próprio como que carregando seus idílios perdidos.
Boulevard of Broken Dreams…
Ele sequer está fora de casa, mas como nesta pequena grande gravura, era como se estivesse trilhando sua imaginária rua dos sonhos perdidos. Ali, como que escombros deitados em diferentes épocas e instantes, os pequenos troféus das grandes derrotas amarelecem ao passar dos anos. Uma sombria procissão de carcomidas lembranças, cujo legado é deveras impossível não enregelar-se.
Ele imagina uma música capaz de captar esse momento. Uma melodia que fosse tão arrebatadora quanto destrutiva, que cooptasse num único assomo a imarcescível profusão de sentimentos que o engolfam agora. O mostrador luminoso do celular expõe sua última playlist; ele detém-se no álbum de Sigur Rós onde põe para tocar Varúo. Logo o som etéreo enche a sala, o seu peito e também a gravura de Hopper. Um grande anseio vem de dentro de si, mas não é a realização de seus sonhos o que deseja.
Onde a poesia, onde a perfeita mistura de perdição e beleza se cada sonho fosse realizado?, ele pensa. Os sonhos, quando perdidos, se tornam imediatamente belos e eternos. A sua constante evocação faz doer feridas antigas, traz lágrimas julgadas secas, evoca o caos ao ínterim da insipidez diária. Porém, é o combustível para os maiores arroubos literários. Livros notáveis foram concebidos diante da imagem de sonhos que não se realizaram. E isso é majestosamente belo e triste também.
Hemingway, certa vez, disse que um grande escritor se faz com uma vida sublimemente triste. Daí que há vantagem em manter os sonhos na eterna quimera da irrealização, pensa Pablo, um legado dolorido, uma dor necessária.
Deixe um comentário