ENTRE OS INFINDÁVEIS volumes de sua biblioteca caótica, Pablo encontra o grosso maço. Uma rápida olhada o faz saber do que se tratam todas aquelas páginas manuscritas, unidas pelo seu laço pueril no barbante ordinário.
Cartas. Muitas, aliás. Todas têm o mesmo remetente e, dirigidas a ele, são as pequenas partículas de uma relação perdida na estranha e cruel força que faz tudo virar passado.
Delas, Pablo sente uma mistura de perfume, obviamente vindas das primeiras, quando o amor ainda era jovem e sorridente, com seus devaneios e expectativas. Mas ele também sabe que as últimas (Pablo as tinha organizado em ordem cronológica!) possuem não o agradável aroma de perfume e saudade, mas o ocre odor da perda e da desilusão. Delas emana não os sorrisos e confidências tão espontâneos dos tempos primeiros, mas os dias cinzentos, regados pelo choro das madrugadas, pela cada vez maior certeza de que seria um erro continuar.
Seria inútil reviver o introito daquele amor buscando as lembranças das primeiras cartas. Nelas Pablo sabia que encontraria emaranhados na caligrafia caprichada os excessivos floreios dos que amam, expressadas através de versos sem métricas, de promessas pomposas, da busca pelo incerto futuro a dois. Como que petrificados na tinta que aos poucos fica menos nítida, há os dias felizes, a ansiosa contagem do tempo até o próximo encontro, o desejo de expandir o sentimento que não cabe em meras e insuficientes palavras.
Ao invés, Pablo retira dentre as cartas a última, a que encima o maço. Ele confere a data: 24 de abril. Uma data paradoxal, levando-se em conta que o dia do fim foi o dia do começo. Como se o próprio destino tivesse pregado uma peça a ambos, creditando em seus corações a certeza que o dia mais feliz também seria o dia mais triste, e por isso mesmo, seria o dia em que haveriam de jamais tentar lembrar quando tudo começou.
Sim, Pablo tinha entre as mãos a carta. A última carta. Naquelas letras trêmulas e confusas, o apanhado dos erros que jamais foram esquecidos (a dor é um estranho catalizador de erros que julgamos estarem perdoados e esquecidos). Ele reflete: como tinha errado, sabia quanto havia contribuído para merecer as palavras amargas espremidas naquele papel lido e relido. Se merecia perdão? Talvez.
O perdão – refletia ele – assim como a graça, era algo superior, e, por isso mesmo, era algo concedido, ainda que não merecido. Se houvesse mérito para alguém ser perdoado, o perdão por si mesmo perderia sua conotação espiritual, tornando-se apenas um rito vazio.
A última carta. Findada não com um adeus, com um “the end”, nem mesmo com xingamentos e outras sortes de impropérios, o que até seria compreensível.
Ao invés, a carta, a última carta, o sombrio baluarte do fim do grande amor que Pablo tencionou eterno, terminou com o mais intragável dos finais: o silêncio. Para sempre.
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