AUMENTO O SOM DO IPOD. Meus ouvidos se enchem de Love Come. Vejo ao meu redor as ruínas de uma existência banal. Poesias dispersas que tencionei Alberto as tornassem músicas; livros relidos em obsessão; retratos descolados do álbum antigo de capa marrom.
Percebo as velharias que trago comigo, muito mais do que quero e posso arrumar. Carrego o fardo de uma existência devastada pela dor. A coleção de cd’s de soul music; o esboço do livro de crônicas, ideia há muito abandonada; os k7 contendo as nossas “históricas” music sessions, gravações musicais ainda na velha casa dos meus idílios. Vãos idílios. Cacos de vida. Pedaços de mim.
A caneca de café na mão, sento-me na velha poltrona de vime. Por entre as cortinas percebo o garoto solitário que desce a rua silenciosa. Seu olhar está voltado para o chão, curioso, como se estivesse procurando algo. Em algum momento ele ergue os olhos perscrutadores, como se a desconfiar que alguém o observa. Impressão minha, pois em seguida ele continua a descer a rua, despreocupadamente, sob a lua amarelada do sol.
Em instantes ele sai do meu campo de visão, mas é como se ainda pudesse vê-lo. Não ele, mas o eu-menino, perdido lá para trás. É possível que aquele menino solitário não saiba que há outros meninos que preferem janelas a andar pela rua. Temem-na, receiam ser engolfados por um lugar estranho e pior, se não vierem buscá-los. O menino da rua está livre, nada leva a não ser seu passo sereno. Sinto inveja dele. Da sua não obrigação de carregar por aí os pedaços de si mesmo. O seu desprendimento infantil me comove, lágrimas que abafo rapidamente.
Apanho o porta-retrato onde alguém me sorri em preto e branco. E então ouço Sarah me dizer:
“And in this empty place a wonder grows,
A dream of some kind of peace I could hold up is true,
I never knew anything about love before you…”
(E neste espaço vazio uma maravilha cresce,
Um sonho de algum tipo de paz que eu poderia realizar é verdadeiro,
Eu nunca soube nada sobre o amor antes de você…)
Ela. Esperança. Recomeço. Sempre.
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