A SALA ESTAVA SILENCIOSA, repleta de sombras. Nela, apenas eu e o Pai, mudos como duas outras sombras que coexistem. Ele, examinando detidamente a perna recém operada; eu, observando cada gesto seu. Estávamos na mesma sala, sentados em poltronas, um defronte o outro. Porém, não havia diálogo, uma palavra sequer, nada. Talvez porque o modo como eu estava sentado – escarrapachado no pequeno sofá – era um sinal de que não estava para conversas, que queria mesmo era continuar mantendo aquela mudez intragável. Contudo, queria muito falar-lhe. Acho que observando-o, seu cuidado em examinar os minúsculos cortes e os pontos na perna, me fez pensar como seria bom externar algumas palavras de carinho e ternas que sentia brotar naquele momento. Enquanto o olhava, várias lembranças passaram por minha cabeça. Flashes pipocavam na minha mente: neles momentos diversos, decorridos nos vários anos de minha infância menina, quando sentíamos – eu e meus irmãos – nosso pai mais presente. Naquela época tínhamos receio de crescer, nos tornar adultos, deixando para trás um rastro de lembranças das muitas faceirices que aprontávamos. Mas, enfim, um dia cresci. Vieram as dificuldades, comuns para adolescente novatos; um misto de rebeldia e medo tomavam cada ato meu; e, em consequência, me afastei dele, do Pai. Vi então que muitas vezes – na verdade a maioria delas – eu fora ríspido com ele, o Pai. Permitira que as tensões da vida fossem diversas vezes descarregadas sobre aqueles ombros que me carregaram quando criança. Muitas ocasiões fui intratável, sucinto diante simples perguntas, estava preocupado somente comigo mesmo, e com os problemas que achava serem maiores que os do mundo. Me tornei um adulto cinzento e azedo…
Agora ali, observando-o, imagino o que deve passar por sua cabeça. Que idéia ele tem de mim? Como ele enxerga o seu filho mudo, sentado diante de si, incapaz de ser ao menos sociável? Num espaço tão confinado como não pode haver uma troca sequer de palavras?…
Me envergonho ao pensar que aquele homem, aparentemente rude e insípido tantas vezes demonstrou amor por mim. Que não foram poucas as vezes que ele abrira mão de tudo para que eu tivesse o mínimo possível. Sinto algo subir pela garganta, então luto contra lágrimas invasoras. Uma constatação terrivelmente real me traz um torpor de insuportável amargor: em verdade, acho que nunca fui um bom filho.
Verguei a cabeça, embaraçado…
Aos dois Pais, meus sempre presentes…
Caramba Pê! Força e leveza, os detalhes, as sensações.
Um texto realmente
incrível! Parabéns!
Um abraço!