NÃO É NOVIDADE, O TEMPO é o maior inimigo do passado! Aquilo que agora é o deixa de ser daqui a um segundo, me lembra o verso da música de Lulu Santos. Também as lembranças são profundamente avariadas pela passagem deste ser invisível que mexe com a cabeça de muita gente. Cada dia elas perdem um pouco de seu colorido, de sua textura; no máximo uma imagem amarelecida e borrada se preserva nos recônditos de nossa memória…
O tempo é implacável! Sua maior vítima é a lembrança. Sei disso e essa certeza me tolhe um pouco a alegria de tempos há muito passados. A cada novo dia me lembro menos do guri desse outro tempo. Quase é impossível enxergar neste emaranhado de lembranças velhas e carcomidas a face pueril do eu que um dia fui. Aquele mesmo guri que se brindava com tardes alegres à sombra das mangueiras no imenso quintal da casa antiga. Restou apenas a imagem cansada do eu de agora, borrada também por lágrimas e delírio. O guri se foi. E agora não passa de um velho slide mental!…
À passagem do tempo estamos todos condenados. Ou será redimidos? Porque o nosso atual modus vivendi nos diz para correr, correr ainda mais, para não perdermos tempo, pois o tempo passa. Perdermos tempo? Não há maior engano do que nessa afirmativa. Porque não perdemos tempo nessa nossa vida louca; perdemos é a vida quando desperdiçamos tempo. E o tempo jamais será benevolente para os desavisados. Deles serão arrancados a mocidade, a realização, a esperança. Viverão uma derrocada pessoal, rumo ao abismo do esquecimento…
Eu por mim tenho desafiado o tempo. É uma luta desigual, ridícula até. Mas nego-me a cruzar os braços, ao invés ofereço-me como mártir de mim mesmo nesse embate claudicante. O faço me refugiando nas velhas lembranças, nos dias mais antigos do passado. Esta é minha forma de revolução, minha resposta à ordem de esquecer: olhar sempre para trás e ver ainda a velha casa dos meus idílios, a roda de amigos cantando canções saudosas que Alberto extraía do seu violão sentimental; sentir o hálito fresco das tardes serenas sob a sombra da “castanhola”; me embrenhar por mundos surreais e aventuras incomuns nos livros que sempre me rodearam; viver as madrugadas regadas a café e waffer, ou adormecer ouvindo Emilio Pericolli cantar Al dilá do meu radinho amarelo…
Quanto ao guri, o tempo tem vencido, pois já não é possível revisitá-lo. O que posso fazer é contemplar dia após dia a morte derradeira duma época quando não tinha medo da passagem do tempo. E pensar como era bom esperar um novo dia.
Crônica repentinamente encontrada em meio a papéis avulsos…
Parabéns, é assim que vejo a passagem do tempo, também…e me preocupo com essa velocidade, fazendo com que não prestemos a devida atenção a nossa vida, nosso bem maior.