TENHO APROVEITADO BEM o meu tempo. Se nos últimos meses, me vi ser dominado por um corre-corre sem sentido, ao ponto de privar-me dos meus prazeres hedonisticamente particulares, decidi então, tomar essas rédeas movidas pela velocidade do relógio da vida moderna. Foi o que fiz para que pudesse me dedicar mais à leitura e releitura de alguns livros prediletos.
Um livro em especial, que reli, há pouco, foi Menino de Engenho, de José Lins do Rego. É um pequeno romance que sempre me traz meu passado menino aos olhos. É quando me vejo, assim como Carlinhos (personagem principal), solto pelas cercanias da pequena cidade onde cresci, Floriano. É quando percebo que crescer, se tornar adulto, não tem graça nenhuma…
Assim como Carlinhos, eu fui um moleque da bagaceira. Tendo o sertão quente e árido do Estado do Piauí como terra natal, vivi bons dias na roça. Aprendi a colher dos frutos que, em algumas épocas do ano eram abundantes, a arar a terra sedenta com arado manual, a plantar os gêneros que garantiria nossa alimentação em dias difíceis, a exemplo do feijão, do milho e principalmente, a mandioca. Esta última, a que mais gostava. Pois em torno dela, da mandioca, acontecia o evento mais importante para mim, naqueles dias.
A Farinhada.
A Farinhada consistia tão somente no ato de moer e torrar toda a massa extraída das raízes brancas e leitosas, as manivas. Dali era produzido vários tipos de farinha: branca, uma mais amarela, fina, uma mais grossa, farinha “temperada”. Na farinhada todos trabalhavam duro, com funções bem estabelecidas. Sob um sol esturricante, as mulheres cuidavam da raspagem da mandioca, de onde tiravam a casca fina e amarronzada. Depois picotavam as raízes em pedaços miúdos, que eram ralados em ralos feitos com sabugos de milho. Aos homens cabia a torra da massa. Num grande tacho, aquecido com fogo a lenha, a massa era torrada e mexida com uma grande pá de madeira. Eu adorava o cheiro de farinha pré-fabricada…
Então, a apoteose: depois que a maior parte da farinha era ensacada, o que sobrava era misturado a uma medida de fécula e daí eram feitos enormes beijus, que todos da moenda comiam com fumegante café, feito e aquecido com o calor do próprio tacho. Eu, menino guloso, “caía para cima”, num dizer nordestino, devorava os pedaços quentinhos de beiju, a manteiga de gado derretida escorrendo pelos beiços, uma delícia que era…
Para Carlinhos, o menino do livro de Lins do Rego, o engenho era o símbolo maior daquelas terras paraibanas. Para mim, moleque da bagaceira, que me acabava em chupar mangas e cajus debaixo de grandes sombras, que andava de jumento como se tivesse montando um alazão, que rodava pião com os outros moleques da rua, que tomava banho nas águas barrentas dos riachos periodicamente cheios com as chuvas sazonais, que gostava de ver a nova manhã chegando, e que deixavam a roça com cheiro de molhado e com um verde de esperança, a moenda de farinha foi um dos símbolos da minha infância perdida.
Carlinhos me ensina mais uma lição, alguns anos desde a primeira vez que li este livro de recordações tão semelhantes às minhas: que o menino que um dia fomos, eu e Carlinhos, soubemos aproveitar a vida, com a espontaneidade tão em falta, aos adultos.
Caro Pê,
Obrigado pela visita ao blog e pelos elogios. Demorei a responder posto que o tempo é curto e os dias quase não tem sol.
Volte sempre e deguste do nosso café. Tem sido servido aos poucos, mas nunca há parar de ser posto à mesa.
Sempre à disposição!
Volte sempre tb.
Nasci na capital, mas sempre passei férias e jornadas no interior, em Cruz das Almas, de tal sorte que igualmente conheço todo processo de fabricação artesanal da farinha, desde o plantio da mandioca ao ensacamento final.
Manga, caju? Subia no pé para tirar…
Certamente não foi com a mesma intensidade do autor do texto, afinal a vivência se limitava a períodos limitados ao longo do ano, mas foram tão frequentes e marcantes que permitiram me identificar em grande parte com o texto acima.
A mim me parece que todos, sem exceção, temos um pouco do Carlinhos, dos meninos da bagaceira. J. L. Rego foi um mestre que retratou fielmente a realidade nordestina de muitos garotos…
São lembranças de um outro tempo, doído decerto, mas que serviram para formar os homens que somos hoje.
Grato pela visita!