ALBERTO NÃO É exatamente alguém que possa ser definido. A não ser por sua figura esguia, as sobrancelhas de taturana, a barba sempre por fazer e, o que mais chama a atenção em meu amigo, o olhar perdido em algum lugar que não posso advinhar.
Sempre com os tênis All Star pretos e canhestos, Alberto era uma espécie de ícone pop da atualidade. O cabelo desgrenhado e os óculos de aros pretos causavam uma estranha combinação de intelectual maluco, desses que ficam mais tempo vagando por seu universo próprio. Também tinha hábitos noctívagos, preferindo muitas vezes gastar suas noites acompanhado de uma garrafa de vinho, o cigarro pregado na parte inferior dos lábios, os olhos míopes devorando páginas e páginas dos clássicos da psicologia e sua maior paixão: a literatura. Sim, Alberto era também estudante de Psicologia. Não por vaidade própria ou para, algum dia, ter algum ofício, mas para tentar se entender…
Não fosse a aparência desleixada, de dia não era nada mais que um estudante comum, empenhado em garantir boas notas e manter sua bolsa de estudos na faculdade. Quando era chegada a noite, Alberto podia, enfim, libertar-se. Podia abandonar o estereótipo do bom garoto, estudante dedicado, filho que traz orgulho para sua mãe. Podia deixar aflorar seu verdadeiro universo: um caos próprio, singular, único. Sua mente deixava de lado os principais expoentes do estudo da mente; ignorava Pavlov, Skinner e Freud. Substituía-os por Cony, J.R. Duran, Garcia Marquez, Joyce. Sempre com uma xícara de café cuja fumaça cheirosa ampliava-se na casa diminuta. Sempre ouvindo uma música no seu iPod. Sempre cercado de talvezes e se’s. Sempre ofuscado pela lembrança do sorriso metálico que era o abismo de seu fim…
Os fins de semana eram particularmente difíceis para ele. Lutando contra todos os fantasmas que tentavam abocanhá-lo, Alberto não tinha outra opção, senão aumentar a dose de sua anestesia alcoólica, e, olhando para as telhas escuras de seu quarto moribundo, extrair sua redenção nas cordas de sua acoustic guitar. Uma canção trazia outra, e mais outra, ao tempo que o tempo ia retrocedendo, para trás, para trás, até lembrar-se de uma fase de sua vida onde era genuinamente feliz. Ou pelo menos, pouco triste. Justamente na lembrança da velha casa dos idílios, como Pablo se referia àquele lar onde o tempo não era problema, Alberto sentia que seu peito era mais livre, tanto da nicotina que vai roubando a sua capacidade de absorção de oxigênio quanto dos amores que hoje se constituem em sua perdição.
O que daria para voltar atrás, para aquela casa, já de todo esquecida?, pensa ele. Nada. Não seria mais capaz de ser o mesmo garoto de outrora; antes, vivera bons momentos ao lado d e Jairo e Pablo, dois malucos que numa manhã de março apareceram na sua vizinhança; ficava efusivamente satisfeito com as aulas de violão que Jairo lhe dava, ou ria-se consigo próprio das verborrágicas explanações literárias de Pablo. O ingênuo Alberto daquele tempo não existe mais. O Alberto daquele tempo se foi. Nunca mais voltará. Ele próprio se mutilara, com uma lista interminável de pecados morais, cada vez menos se vendo no espelho do antes.
Quanto tempo o Alberto de hoje irá sobreviver até a próxima perda de si mesmo?
Crédito das imagens: deviantart.com
Caramba, velho… Muito massa… Vc conhece mesmo esse Alberto! Vc conseguiu descrevê-lo duma forma incrível, acho que ele gostou!!
abraços
Era o mínimo que eu poderia fazer, haja vista a importância deste velho amigo…
Paulo, Parabéns o seu Post é muito interessante, Adoro ler o que você escreve!! É de um talento incomparável!!
Gracias, e seja sempre bem vinda…