SE FOSSE EM OUTROS tempos, antigos como o passado, eu diria que esta era mais uma daquelas noites: a casa dos meus idílios, como sempre vazia; apenas eu, mais uma sombra.
Uma melodia lânguida repentinamente tocada, acordes tristes que triste me deixavam. Lá fora, somente a noite escura, quase sem estrelas, uma bruma de solidão, vazio e nada…
Era a isso que se resumiam minhas noites do passado, nem tão antigo assim. Um agonizar insólito, expurgos de um quase-poeta preenchiam folhas e folhas de pura melancolia e hedonismo, as querelas, inúmeras, a um aparente ingrato Criador…
Esta, porém, é uma circunstância diferente. Constato não ser mais apenas uma sombra; minhas linhas tomaram forma, aquilo que estava tão embaçado agora é um reflexo nítido ao pequeno espelho amarelo que ainda me acompanha. A música que ajuda a preencher o espaço onde habito e existo, traz enlevo ao invés de desesperança, tranquilidade ao invés dum choro sem lágrimas, plenitude ao invés do nada excruciante.
Me admira muito que desta mesma janela fitei amargurado a noite escura, avassaladora na sua esplêndida forma. Como também da impressão que tinha ao, a qualquer momento, ser tragado por ela. Mas acontece que as estrelas sempre estiveram lá, luzes que sorriam para rostos como o meu, que procuravam um instante a mais.
Nunca me dera conta da sua beleza, das estrelas e de Lucinda, porque fitava apenas o negrume que circundava-as. Era o negrume, apenas. Imaginava se era tão escuro como o que havia em mim, e por isso desafiava a natureza, julgava ser mais…
A própria vida mostrara-me não o ser. Ela estava aí apenas para encantar, para exaltar aquele a quem tudo isso projetara. Envergonhado por minha insinuosa afronta, recolhi-me ainda à base do meu pêlo particular, disposto a esquecer tudo.
Daí, ela apareceu. Com seus trejeitos de menina-mulher, me encantou numa tarde improvável. E senti-me como que levado por uma mão mágica, ao um lugar onde nunca julguei chegar. Sem saber, já a amava. E não tive escolha: tudo que pude fazer foi alquebrar os joelhos, vergar a cabeça e chorar uma esperança. Vi minha pequenez própria, e uma mão estendida dizendo: “Vem, que eu te quero assim mesmo”.
Aceitei este afago solícito e salvador. Na minha outra mão, uma mão, pequena apertava a minha, a mão que me trouxe do lugar onde deixava-me perder; mão que sempre esteve no meu ombro, sempre a dizer-me que eu agora não mais estava só. A mesma mão que uma vez deixei para trás, junto com meu maior sonho; as mesmíssimas mãos que me enviaram a mais bela das mensagens, que geraria a felicidade que hoje vivo e de onde me renovo.
Esta mesma mão apontou para mim o mesmo céu escuro que costumava mirar , salpicado de estrelas, brilhando e iluminando o rosto que minhas mãos anseiam tocar. Mãos cheias de carinho e perdão, que trazem alegria sincera e me faz ansiar pelo encontro próximo, a nossa epifania. Mãos que aceitaram me amar, sem nada em troca pedir; mão de minha eterna Dostet.
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