É MAIS UM DIA INSÍPIDO.
Pablo constatou isso logo ao acordar e sentir uma intensa dor no pescoço, típico de quando dorme de mal jeito. Um maldito torcicolo, pensa, resignado. Gastou pelo menos uns cinco minutos fazendo alongamentos localizados, que aprendera num vídeo do Youtube. Depois levantou-se e se dirigiu ao banheiro.
O espelhinho de moldura amarela revelava um rosto macilento, cansado, escuras auréolas ao redor dos olhos, resultado da leitura até altas horas. Fitou-se por alguns segundos, balançou negativamente a cabeça, estava uma lástima.
Vestiu-se. Saiu e foi, como de costume, tomar café na Padaria Avenida. Entrou, sentou-se num dos bancos altos de madeira e pediu o de costume: pão misto acompanhado com café. Aproveitou para passar os olhos no jornal de um outro cliente, sentado ao seu lado. Escândalos políticos, desastres causados por chuvas torrenciais em algum lugar, notícias sobre a copa do mundo, variações do câmbio na Bolsa. Nada de interessante. Pablo desconfiara que aparentemente, nada iria tirar o dessabor desse dia enjoativo como ressaca de verão.
Sacou o livro da mochila. Enquanto comia, tentou ler algumas páginas de Cem dias entre céu e mar, mas logo desistiu; a maré, definitivamente, não estava para peixe e muito menos para Amyr Klink…
Pagou e saiu. Resolveu dar uma volta pela cidade velha. Subiu uma ladeira bem íngreme, passou pelo velho largo do centro histórico, e, meio suado pelo sol que já estava bem quente às dez horas, chegou à balaustrada da praça Castro Alves. Mirou o mar azul que se perdia no horizonte. Aquela visão sempre o deixava mais enlevado, ao ponto de esquecer a passagem das horas. Em momentos assim, punha-se a refletir, mas nesse instante era insuportável ouvir até seus próprios pensamentos.
Tirou do bolso do seu jeans desbotado o mp3 player e selecionou uma faixa: City of Angel, de Sarah Mclachlan. Veio-lhe à mente a cena do filme homônimo, em que vários anjos se espalham pela praia num fim de tarde, todos concentrados numa espécie de transe psicodélico. Lembrava vagamente que um deles, Seth (achava que era este o seu nome) deseja mais que tudo sentir, apenas isso: sentir. Desejava sentir o toque da mulher por quem se apaixonou, observava com uma curiosidade infantil as lágrimas rolarem dos olhos de Maggie, uma médica no filme…
Nesse instante, porém, Pablo deseja o inverso. Queria não sentir a amargura do seu vazio. Desejava ter seus sentidos entorpecidos, mudos para o mundo. Nem o mar que tanto adorava ver fê-lo sentir-se melhor. Merda!, praguejou para si.
Saiu logo dali, como se quisesse escapar de si mesmo. Na verdade, não queria chegar a lugar algum, mas voltou para casa, enfurnou-se no seu quarto, deitou-se. Tentou dormir um pouco. De repente, ao acordar, o mundo (ou ele próprio) estivesse melhor. Pensamento que o fez duvidar que um dia nublado como aquele pudesse terminar com algo bom e prazeroso…
Massa, velho… Me fez sentir uma vontade imensa de visitar esses lugares e tentar sentir (ou não sentir). É legal ver a evolução de como era seu estilo há anos e como é agora…
Tô sem tempo, mas prometo dar uma lida em tudo que eu ainda não li nesse humilde compêndio internético-literário! rsrs
valeu, véi!
Ok, Gutor. Espero sim seu retorno…
E quanto à evolução, acho que é devido aos primeiros cabelos que têm aparecido em minha rala cabeleira…
Dias assim não são tão comuns; mas — embora não sejam bons — fazem um bem danado à alma.
Acho que falta um objetivo para Pablo. Ao menos ele deseja muitas coisas, o que já é um passo essencial. Resta-lhe escolher um caminho…
Excelente texto! Abraços, RMG.
O Pablo sofre daquilo que eu mesmo senti ao criar o título do blog: está buscando a si mesmo. Creio que um dia ele vai conseguir seu intento.
Dormir na esperança do mundo “acordar” um pouco melhor é uma utopia que insistentemente alimentamos.
Dias assim realmente nos fazem bem, são pausas em nossa correria diária.
Ótimo texto!
Pena que isso seja uma constante na vida do Pablo…
Que delícia de texto, Pê!
Toda vez que ouço essa canção da Sarah, não consigo conter as lágrimas…
Quando me sinto assim, como Pablo, vou à igreja; saio de lá com as forças renovadas e o coração cheio de esperança!
Bjo Bjo ^^
Vou levar essa sugestão (da igreja) para Pablo. De repente o que ele precisa é de um pouco de fé.
Qto às músicas da Sarah, eu a-d-o-r-o o disco “Surfacing”! É perfeito.
Nossa, Pê… Quase não respiro… lá fui eu embora junto com esse cidadão.
Não foram muitas as vezes que me senti como o Pablo, mas foram tão duras quanto esta.
Tomara que os Pablos consigam recuperar sempre as energias, mesmo que isso demore um pouquinho do seu sono…
Obrigada!
É verdade. Não é fácil carregar o peso da insatisfação. Mas, acho que Pablo terá dias melhores…
Xerão, linda.
Eu, assim como Pablo, já praguejei e muito contra sei lá o quê e pensava em como me recuperar, como ter de volta as energias, o fôlego. Até perceber que é justamemte essa insatisfação, até mesmo as injustificáveis, que me impulsionam para frente. Percebo que momentos assim promovem em mim uma limpeza, uma saúde mental que em nenhum momento de calmaria eu jamais tive. Até quando vou suportar viver rindo e caminanhando de braços dados com o caos, o meu caos, eu não sei. Mas sei que ao menos tenho feito meu caminho.
Você é um verdadeiro sábio, Rodrigão! Acho que Pablo iria gostar muito de conversar contigo. Fica na paz!
Belo texto.. fiquei sem palavras na verdade. Meus dias às vezes são que nem esse do Pablo, parece que tudo conspira pra que dê tudo errado (ou certo) e só o que resta é pedir pro dia passar o mais rápido possivel e torcer pra que o dia seguinte seja melhor, mais colorido e menos preto e branco.
Sabe Bruna, às vezes desconfio de que Pablo, embora seja um grande niilista, goste, e muito, dessa vida “em preto e branco”. Há uma poesia nisso tudo. Mas é claro que rir, amar, viver, é melhor ainda. Xeros.
Pê? Cadê você, meu rei?
Tá sumido =(
Saudades! ^^
Ô minha linda, perdão…
Acabei de me formar e minha turma ganhou uma viagem para… FORTALEZA!!! Tô de boa, mas voltando, ok?
Xeros.
Ahhh… que viagem mais chata! rsrs
Mas volte logo! Meu bloguinho sente falta dos seus adoráveis comentários! 😉
Me sinto assim hoje. Acabei de dormir quatorze horas e queria dormir outras mais. Pena que não dá.
Adorei o modo como você traduziu o vazio que todo mundo às vezes sente.
Eu que agradeço por suas gentis palavras… E Pablo é um solitário incorrigível.
Obrigada pelas belas palavras e pelo gentil apreço!
Fiquei muito feliz! =D
Adorei teus textos, gosto quando o cotidiano se apresenta em palavras simples de maneira admirável!
Parabéns!
Ei, cadê voce? Saudades de te ler…
Pê, por andas, meu amigo???