Foi necessário apenas uma troca de olhares para que Euriquinho tivesse a certeza de que encontrara sua alma gêmea. Era uma manhã clara, de um céu muito azul, salpicado por nuvens muito brancas e felpudas.
Mas, ainda assim, através da vidraça da loja de discos e cd’s ele a viu: a garota mais linda do mundo, os cabelos pousados levemente sobre os ombros, um olhar que iluminava tudo e a ele…
Resolveu entrar na loja, e, enquanto fingia escolher um cd, demorava-se em olhá-la através da fresta da prateleira. Ela tinha gestos simples e afetuosos, acolhedores, atendia os clientes que se dirigiam ao balcão para embrulhar suas compras com uma espontaneidade cativante. E Euriquinho não tirava os olhos de seu sorriso fácil e sincero, com o qual ela recebia cada pessoa.
Sem critério algum, escolheu um cd, pagou e o levou para embrulhá-lo. Carol (era esse o seu nome) o atendeu com o mesmo sorriso, que encantou ainda mais o nosso amigo. Aquela perturbadora proximidade o fez suar um pouco, mas mesmo assim a olhou nos olhos e conseguiu dizer:
– Pra presente, por favor.
Carol sorriu ainda mais intensamente e foi preparar o embrulho. Escolheu um papel especial, com motivos românticos. De onde estava, atrás do balcão, podia ver nitidamente aquele cliente meio confuso, que não parava de olhá-la. E pensou: “ele é bem simpático!”. Voltou, sorriu novamente para ele e entregou o embrulho. Ele agradeceu e saiu da loja, o coração quase explodindo de felicidade…
Chegando em casa, jogou o cd dentro do guarda roupa, se deitou na cama e começou a pensar na linda garota da loja de discos. Fechou os olhos para poder visualizá-la melhor: o cabelo castanho, os olhos amendoados, aquele sorriso meigo que iluminava ainda mais sua beleza… Euriquinho estava apaixonado.
Na manhã seguinte, passou novamente na loja. Deu umas voltas na seção de música pop, escolheu um cd qualquer e se dirigiu novamente ao balcão, onde encontrou Carol com aquele sorriso que o perturbara tanto. Novamente pediu a ela que fizesse um embrulho para presente. Ao retornar com o pacote, ela percebeu que ele a fitava detidamente, nem percebendo que o embrulho já estava pronto.
– Seu cd, ela disse. E sorriu, entregando-lhe a sacola com o embrulho.
– Ah, é… me desculpe. Ia saindo quando, num assomo de coragem, perguntou:
– Qual o seu nome?
– Carol, ela disse. E sorriu ainda mais para ele.
Euriquinho foi embora dali com uma sensação muito boa, de estar leve, sentindo-se meio realizado por aquela pequena vitória. “Carol…”, suspirou. E sorriu para o dia claro e azul que o abraçava.
Voltou ainda muitas vezes à loja de discos, comprava um cd qualquer, apenas para ter a chance de estar perto daquela moça que encantou o seu coração. Era sempre recebido com o lindo sorriso de Carol, que também ficava encantada com sua presença todas as manhãs.
Em casa, Euriquinho cogitava uma maneira de dizer a Carol o quanto a amava. Ligar pra ela? Não. Passar na loja e convidá-la para sair? Com sua timidez exacerbada nunca teria coragem. Escrever-lhe um bilhete? Isso! Depois de umas duas horas, conseguiu terminar um bilhete onde falava do seu desejo de conhecer Carol e a convidava para sairem, assistir um filme, comer alguma coisa. Teve o cuidado de colocar o número de seu telefone. Escolheu um envelope vermelho, o que seria bem apropriado para conter a mensagem da possibilidade do amor. Colocou-o sobre o peito e, deitado, fechou os olhos pensando em Carol. Adormeceu assim, abraçado ao envelope.
Na manhã seguinte foi à loja de discos, deu uma volta pelas seções. Ao passar pelo balcão, colocou o envelope vermelho diante de Carol e saiu rápido. Ela, sem entender, ainda olhou para a rua em tempo de ver Euriquinho dobrar a esquina apressadamente. Sorriu daquela cena engraçada, pegou o envelope, se dirigiu para os fundos da loja, onde leu seu conteúdo. Quase deu um pulo de felicidade ao ler o bilhete do seu já há muito amado. Gravou mentalmente o número do telefone de Euriquinho que pedia que ela ligasse confirmando o encontro, caso ela aceitasse sair com ele.
Na tarde do dia seguinte ela ligou para o número que Euriquinho lhe dera. A mãe do rapaz atendeu.
– Oi, eu me chamo Carol e gostaria de falar com Eurico.
– Pois você não soube? Faleceu esta manhã… Seguiu-se soluços abafados da pobre mulher.
Carol ficou arrasada com aquela trágica notícia. A mãe de Eurico, em meio à dor que lhe acometia, explicou que ele vinha muito doente. “Leucemia”, ela dissera.
* * *
No dia seguinte ao enterro do seu filho, a mãe de Euriquinho entrou no quarto dele, afim de arrumar as coisas que deixara. Ao abrir o guarda roupa, uma pilha de embrulhos intactos se espalhou pelo chão. Ela apanhou um e abriu-o. Era um cd e tinha um bilhete dobrado. Havia uma mensagem de carinho junto com um número de telefone. Estava assinado por Carol. A mãe de Eurico abriu mais um daqueles muitos embrulhos. E outro. E outro… Todos continham a mesma mensagem de desejo de conhecer Euriquinho, junto com o número de telefone de Carol…
Moral: muitas vezes deixamos de aproveitar as oportunidades que nos são colocadas em nossa caminhada. E, nem sempre escolhemos tirá-las de seus embrulhos, preferindo, ao invés, empilhá-las num canto de nossa vida…
(Extraído de uma lembrança recorrente e aparentemente indizível…)
Por: Pê Sousa.
Mais uma vez um texto tocante e intenso, como é característico teu!
Eu sempre procuro viver cada momento como se fosse a última vez, Pê.
Comigo é assim: oito ou oitenta! Melhor perder a cabeça do que perder o tempo…
Kisses and hugs! 😉
Esta é uma equação que ainda não apliquei na minha vida. Sou um especialista em perder oportunidades! E quanto sofro com isso…
Xeros, minha linda!
Puxa! Me arrepiei…
Texto supreendente, Pê.
A mensagem, então, BELÍSSIMA! E muito oportuna, considerando os dias atuais em que as pessoas pensam apenas no depois, no amanhã, e se esquecem do hoje, do agora, do momento, que é o que realmente existe e podemos aproveitar da melhor maneira possível.
Parabéns, amigo! 😉
É Rob, e me preocupo com o que há por vir. às vezes quase antevejo uma geração que se entregou totalmente ao efêmero, mas num futuro distante. Causamos nós mesmos a fonte de uma vida cada vez mais superficial… Isto não é preocupante?
Abs.
Nossa!!Belíssimo texto Pê! Tocou-me profundamente.
Pensei nas tantas oportunidades que deixei passar e o pior: elas jamais voltaram. A vida é mesmo muito breve para desperdiçarmos nosso tempo desse jeito. Foi isso o que de mais importante aprendi e que me recordei ao ler o seu texto. Obrigado.
Um abraço.
Eu te confesso uma coisa. Essas palavras nasceram justamente dessa inabilidade em fruir as muitas chances de felicidade que deixei passar… E vc disse certo: ainda que outras se sucedam, as que passaram jamais serão esquecidas, o que torna esta estranha ausência do que não foi pior.
Abs, meu amigo!
Acima da quantidade,a qualidade. Mais importante que a qualidade, a intensidade com que se vive…
Que seja eterno enquanto dure.
;~]
Mestre Kleitman, suas palavras são uma lisonja por si só…
Hugs, my Dear!
Pê, os momentos são sempre válidos. Verdadeiros ou não, longos ou instantâneos… Estou certa que Euriquinho (há um rastro dele no meu post de 25 de Abril) viveu cada um daqueles encontros como um grande encontro de amor! Mesmo tendo se prendido ao óbvio e jamais podido experimentar o encontro já tão aguardado pela Carol.
Obrigada pelas palavras!
Pena que na nossa vida sempre exista armários abarrotados por oportunidades desprezadas…
Abs, Pê.