Enfim encontrei-o. O disco que julgara perdido. Mas esse reencontro não se deu em caixas velhas, cobertas de poeira. Muito menos esquecido dentro de alguma gaveta que não abro faz tempo. Não. O disco retornou às minhas mãos através das maravilhas que a internet nos traz. Foi assim que pude, com apenas um click, ter de volta um disco que contém não só músicas belas, mas uma parte do meu coração que julgara ter perdido, como o disco agora materializado das entranhas da web.
Afundado numa poltrona, pus-me a ouvi-lo. E o que chamou mais a minha atenção não foi os primeiros acordes, que na verdade nunca esqueci. Foi a magia que se seguiu. Magia esta que só uma música que te marca pode fazer: uma viagem que toma forma e cor graças à canção que invade meus ouvidos.
É assim que posso vislumbrar um turbilhão de lembranças que me assaltam. Verdadeira cascata de recordações, tento fitá-las com olhos já marejados. E vou me detendo, uma a uma, na projeção que brota desses recortes de dias antigos do meu passado.
Na profusão, me desconcerto. Tento pôr um pouco de lucidez àquele emaranhado idiossincrático que na verdade eu sou. Em vão…
O piano reaparece diante os meus olhos. O gigante negro se rendendo à minha insistência musical autodidata, meus dedos inábeis construindo metodicamente a música que agora me enche de enlevo e saudade. É deveras uma recordação que me tortura, suga-me a seiva da alegria, e só posso vergar-me diante o peso desse legado de perdição, de mágoas incuráveis.
Mas o piano é apenas um pequeno intróito. Porque desse momento de densa nostalgia renasce também longas noites que me cobram uma dívida que julgo ser incapaz de pagar. É nesse exato momento que vislumbro, em meio à névoa turva da memória, a lâmpada que nos aqueceu numa noite que não busco mais reviver. Debaixo daquele singelo facho de luz vi pela última vez a esperança se apagar dos seus olhos amendoados. Presenciei a morte do sentimento que mais ansiei, e que por esta minha insolente indecisão fui aprisionado numa masmorra sem muros. Reú confesso, destruí aquele brilho que me aquecia, bem mais que a pequena lâmpada, derradeira…
Por último, ela. Em seus rodopios, seu riso fácil, seu cheiro entranhado em mim. Tudo, tudo está ao alcance de minhas mãos. Ou melhor, dos meus olhos, perdidos na vagueza e vaguidão de minha própria queda. Com ela, noites de luar, de uma espera sob a sombra da castanholeira, nas tardes mornas que acariciavam meu rosto ansioso pelo toque de sua mão. Com ela, o infidável silêncio de palavras que, apesar de nunca terem sido ditas, ecoam na obscuridão que há dentro de mim. Palavras que clamam pela redenção do amor que nasceu daquele inverno frio, aquecido apenas com a possibilidade de estarmos juntos…
* * *
Agora sei, não deveria ter reaberto esta caixa-preta de dias tão cinzentos. Mas necessários. E isso, meu disco perdido o fez com notável perfeição.
(P.S.: vai o link do post “O DISCO PERDIDO” publicado no meu antigo blog, no Blogspot: http://abuscademimmesmo.blogspot.com/search?q=o+disco+perdido)
Por Pê Sousa
Simplesmente lindo!
Agradedeçamos à internet por nos proporcionar ter o que outrora seria impossível. Pois sem isso, tão bela inspiração ficaria imersa na escuridão de nossas memórias.
Parabéns pelo texto 😉
Sem dúvida, Rob! Talvez sem a net, ainda estaria a lamentar tão grande perda, e com certeza estas lembranças se tornariam menos nítidas à passagem do tempo.
Excelente observação!
Abs.
O advento da internet fazendo possível a viagem no tempo! Quem diria, heim?
É verdade. Esse texto de certa forma mostra que é possível tirar grandes (e nobres) proveitos dessa ferramenta. O que diria o meu passado, agora bem mais nítido com os sons que me consolaram na época…
Xero.
é muito bom saber q a net não só tem coisas futeis mas que atravez dela podemos encontrar lembranças, como esse seu cd q traz recordações tão boa a ponto de ti fazer escrever um texto tão belo.
Pois é, Vivian. Há dois lados no uso da net: vc pode escolher usá-la para crescer, aprender algo novo, compartilhar suas experiências pessoais num blog como este, ouvir boa música, assistir bons filmes, ler ótimos livros; ou pode optar pela imensa gama de coisas inúteis que na web tb se encontra.
Agradeço sua presença por aqui e volte sempre!
Ahhh, eu adoro música. A vida tem que ter trilha sonora, né? Canções que nos trazem lembranças boas, lembranças engraçadas, às vezes ruins.
A nostalgia me traz felicidade… é um tempo bom que não volta mais. É passado, mas faz parte de mim e do que eu vivi.
Parabéns pelo texto, vc é ótimo! 😉
E o meu passado particularmente sobrevive graças a esses fragmentos musicais que mantenho vivos dentro e fora de mim… Em verdade não sei o que seria dessas lembranças sem as músicas que as eternizaram como num flash.
Valeu pela presença, sempre bem vinda.