Ainda falando sobre livros, me revejo guri, debaixo da sombra da grande mangueira que cobria nosso quintal. Todas as tardes, depois da escola, era meu lugar preferido para ler. Ali conheci personagens fabulosos, heróis sedutores, princesas encantadoras, mundos vastos e surreais. Ali descobri que podia viajar sem sair do lugar onde estava, que podia construir com o simples pensar outras épocas, que podia tudo sem, contudo, tudo poder.
Esse hábito solitário me fez ser alvo de chacota dos meus colegas. Eles não eram capazes de entender que tipo de afeição era aquela pelos livros que sempre tinha à mão. Preferiam só jogar bola. Eram incapazes de entender este amor que dura já mais de vinte anos.
Lembro-me bem o que lia nesta época. Era Os Três Mosqueteiros, a famosa história de Dumas sobre D’artagnan e seus três fiéis amigos mosqueteiros. Não preciso dizer que foram muitas as gargalhadas que dei sozinho, ali, debaixo da mangueira, com as trapalhadas dos espadachins de Alexandre Dumas.
E, com uma ponta de tristeza, percebo que, em verdade, os Grandes Imortais da literatura já estão quase esquecidos. Que as grandes obras, que marcaram gerações, que significaram uma mudança radical no modo de escrever estão, na realidade, fadados à obscuridade. E a internet, embora seja uma ferramenta poderosíssima para pesquisas, não tem, ao meu ver, ajudado muito a difundir os Imortais. Fato: quantos jovens hoje estariam dispostos a encarar a trilogia de Victor Hugo, Os miseráveis, Os trabalhadores do mar e Nossa Senhhora de Paris, obra monumental, que li ainda quando guri? Quantos gastariam seu tempo em ler toda a obra publicada de Machado de Assis, e na ordem em que foram publicados, como eu fiz? Não é tarefa fácil. Principalmente, nesses tempos de correria, efemeridade e superficialidade.
Tenho que admitir: naqueles tempos os dias corriam tranquilos, demorava muito a chegar o Natal; então gastava todo meu tempo ocioso na leitura das grandes obras literárias. Ficava ansioso quando o livro ia chegando ao fim, e quanta tristeza dava em saber que aquela história acabaria… Foi assim ao ler Menino de Engenho, de Lins do Rego; foi assim ao ler O pobre homem rico, de Irving Shaw; foi assim ao ler Vidas secas, do Mestre Graça, livro que se parece tanto com a minha realidade sertaneja; foi assim ao ler Capitães da Areia, um dos meus favoritos.
Hoje tento manter o hábito. É verdade, não sou mais o guri de outros tempos. Vieram a família, as preocupações modernas, o corre-corre alucinado por um ente que nem nós sabemos. Mas na essência ainda sou aquele menino, que lia nas tardes mornas debaixo da sombra da mangueira do meu quintal. Leitor sagaz, incansável diante das páginas e páginas que se desenrolam ante os meus olhos meio míopes. Ainda mantenho acesa dentro de mim essa necessidade da página impressa, das histórias que li no passado e releio ainda hoje. Como um estranho em meio à era digital, vou na contramão do tempo. Não curto muito essa “onda” de e-book’s, preferindo, ao invés, o bom e velho livro físico.
Um alento: os Imortais jamais morrerão! Se depender de mim, dos outros muitos leitores que comigo dividem essa graça – ler, e de uns poucos curiosos que ainda têm coragem de tirá-los de sua sonolência das estantes das bibliotecas.
Uma convocação: unamo-nos, caros leitores-amantes-da-página-impressa, para que os Imortais jamais sejam esquecidos!
Por Pê Sousa
É Pê!
Infelizmente essas grandes obras estão ficando cada vez mais distantes… O que me alegra é saber que muitas editoras ainda publicam os clássicos, mesmo que a vendagem não seja das melhores.
Aqui na rede Saraiva ou Fnac, todos os imortais são publicados em versões econômicas, aqueles chamados “livros de bolso”.
Tenho esperança de que, talvez não esta geração, mas as próximas, as pessoas retomem o hábito de ler e a tenham para si como uma fonte de prazer.
Sobre os livros impressos (os melhores, de fato) acho que sempre irão existir, pois o gosto pela leitura em papel, de uma certa forma, é transmitido de pai para filho, através das coleções bem guardadas.
Abs, Robson.
Me alegra saber que não sou apenas eu um entusiasta da defesa dos grandes livros que marcaram época!
E, com certeza, como vc bem colocou, creio que voltaremos a um momento em que a leitura como ato de prazer diário será novamente uma realidade…
Até lá, fiquemos nós e nossas conjecturas.
Abraços