O enredo: um garoto negro com problemas de auto controle e péssimas notas aprende a gostar dos livros, muda sua vida e torna-se um dos maiores e mais respeitados neurocirurgiões do mundo. Essa a temática de Mãos Talentosas, excelente filme que acabei de assistir.
O fato: esta é a história de vida do Dr. Benjamim Carson, diretor da ala de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital Johns Hopkins, o primeiro médico pediátrico a se especializar em cirurgia de separação de gêmeos siameses ligados pela cabeça.
Mais que a fama com a qual ficou conhecido, é igualmente comovente a história de superação de dificuldades e limites próprios. História essa trilhada com a força da esperança, da dedicação e, sobretudo, com a importância que os livros tiveram. Assim foi construída a brilhante carreira de um homem que venceu as barreiras do preconceito racial, da falta de recursos e da desesperança em si mesmo. Este é um filme sobre a vida de Benjamim Carson, lindamente interpretado pelo ator Cuba Gooding Jr.
E então me recordo de como os livros entraram na minha vida. Ainda pequeno eles se ligaram a mim de tal forma que viver sem eles é algo impensável. Ficava fascinado com as páginas que tinha entre minhas mãos pueris, me deliciava com o cheiro do papel encadernado e me perdia pelas histórias de outros tempos que me abraçaram e fizeram-me sonhar…
Os fins de semana eram ansiosamente aguardados por mim, quando podia ficar embrenhado na biblioteca de minha madrinha (sou deste tempo) Júlia, professora e principal responsável por esta paixão que já dura mais de vinte anos. Ali, nas nostálgicas tardes dominicais, lia de tudo: desde livros didáticos de história (os que mais gostava!) até coleções de literatura para jovens, como a série “Vagalume”. Naquele vasto mundo de páginas e sonhos, conheci aquele que para mim seria o maior escritor em língua portuguesa, Machado de Assis e o seu conto “O Alienista”. Dali, eu parti para outros grandes nomes da literatura mundial, outras grandes histórias, que ainda permanecem entranhadas nos recônditos da memória. A partir daquelas solitárias tardes de domingo eu me tornei um… leitor.
Anos mais tarde eu conheceria outras bibliotecas, muito maiores que a que madrinha Júlia podia me oferecer. Nessas, sim, eu saborearia livros que contaram-me outras histórias, de outros costumes e em outros países, bem distantes do Rio de Janeiro das narrativas machadianas. Também os autores, muitos desconhecidos até então, se acumulariam na minha modesta lista de leitura como as muitas páginas que li e reli. Camus, Gabo, Cony, Dostoiévsky, Kundera, Machado de Assis, Kafka, Vinicius de Moraes, Roth, Greene, J.R. Duran, Dumas, esses e tantos outros que encheram minhas tardes, horas favoritas para, aos poucos, fruir suas criações literárias.
Muitas dessas tardes, as passei na velha casa dos meus idílios, quando li, de um só sopro, a famosa trilogia de Victor Hugo: Os miseráveis, Os trabalhadores do mar e Nossa Senhora de Paris. Quantos jovens hoje estariam dispostos a enfrentar tomos tão grandes que até cansei ao lê-los?
Refletindo sobre isso, me entristeço por sermos um país de mal leitores. Os jovens de hoje jamais trocariam a comodidade da internet ou os resumos facilmente encontrados em sites de pesquisa pelo hábito de ler obras inteiras de cada autor. Por isso, creio, estamos cada vez mais sem conteúdo, ou, no máximo, possuímos um conteúdo da profundidade de um pirex (ouvi isso de alguém). As pessoas estão se tornando cada vez mais superficiais, ansiosas e incapazes de um pensar mais profundo – sobre o mundo e sobre si mesmo. Tudo porque vêm abolindo de suas vidas esse prazer que é ler.
Do que concluo: se sou alguma hoje, isso devo a eles, os livros. Devo a eles o saber necessário com o qual conquistei meu emprego; devo a eles a capacidade de escrever, embora não tenha me tornado o escritor que sempre sonhei; devo a eles tantas tardes de prazerosa leitura e a perpetuação dessas lembranças tão ternas e relembradas. Os livros, de certa forma, salvaram minha vida. Quem sabe num outro post eu discorra mais sobre isso. Agora gostaria de ouvi-los sobre o que o livro fez na(s) sua(s) vida(s).
Um grande abraço!
Por Pê Sousa
Grandioso texto, Pê!
Uma observação pertinente que não deixa de servir com um apelo para a importância da leitura.
Meu maior sonho é que TODOS os seres humanos do mundo tenham contato com os livros e que por eles adquiram um interesse inabalável.
Bons livros transformam as pessoas, aguçam o pensamento, estimulam o senso crítico, além de as tornarem muito mais inteligentes.
Parabéns pelo texto! Vou buscar pelo filme também 😉
Abs, Robson.
Sem dúvida, meu caro Robson, que a leitura é uma importante arma contra qualquer forma de “escravidão”, libertando o leitor da ignorância, desenvolvendo a criticidade e, claro, oferecendo momentos de indescritível prazer.
Quanto ao filme, é uma boa pedida, em nada devendo em emoções. Flw!
Tanto para comentar… Vamos por tópicos:
– Você falou sobre o filme de forma tão apaixonante que fiquei com vontade de ver!
– O Alienista me marcou. Li por causa da escola. Anos mais tarde, acabei ganhando de presente do dono de um sebo onde eu comprava muito.
– A sua vida daria um filme também!
– “possuímos um conteúdo da profundidade de um pirex” – Adorei!
– Ainda há tempo de se tornar o escritor que você sempre sonhou. Por que não?
Seu blog vai para os meus favoritos!
Puxa, Marcelly, obrigado por me dar a honra de estar mais próximo, digamos, nas suas leituras…
Olha só, pode ter certeza que vc vai adorar o “Mãos talentosas”, um filme que realmente toca os corações.
Já quanto ao me tornar um escritor, vc bem sabe – principalmente vivendo em SP, acho – como é difícil se projetar no cenário literário brasileiro… No entanto, a esperança é a última a morrer, né mesmo?
Xeros juazeirenses